Esta
é uma homenagem ao querido Chiquinho Medeiros, falecido em 16/10/2019 e velado
no dia de hoje sob forte emoção no solo sagrado do Teatro de Arena. Debaixo de
fortes aplausos Chiquinho partiu dali para sua morada definitiva.
O texto abaixo (de 2012) foi escrito
para a minha dissertação de mestrado e está presente em meu livro; nele eu
exalto uma das encenações mais significativas a que assisti em minha vida de
espectador.
As fotos foram um presente que recebi de
outro querido, Oswaldinho Mendes, que também fazia parte do elenco dessa
inesquecível montagem.
A
GAIVOTA
Ficha técnica conforme apresentada no
programa:
Texto: Anton Tchekhov. Tradução: Tatiana
Belinky. Direção: Francisco Medeiros. Assistente: Nilton Bicudo.
Elenco: Walderez de Barros, Marco Ricca,
Mayara Magri, Genezio de Barros, Maria Letícia, Oswaldo Mendes, Bri Fiocca,
Nilton Bicudo, Ricardo Homuth, Luiz Carlos Rossi e Cacá Soares.
Cenografia e figurinos: J.C.Serroni.
Cenógrafo assistente: Gustavo Siqueira Lanfranchi. Figurinista assistente:
Telumi Helen Yamanaka. Iluminação: Wagner Freire. Assistente: Ari Nagô. Trilha
sonora: Zero Freitas e Márcio Ribeiro. Preparação corporal: Fernando Lee.
Fotos: Lenise Pinheiro. Programação gráfica: Ishiki Comunicação. Cenotécnico:
Chimanski. Confecção de adereços: Telumi Helen Yamanaka. Confecção das
gaivotas: Juvenal Irene dos Santos. Costureiras: Cida de Paula e Rosa Vieira
Lima. Operador de luz: Ari Nagô. Operadora de som: Roberta Serrettielo. Direção
de cena: Vlady.
Direção de produção: Bel Gomes.
Produtora assistente: Guga Pacheco. Divulgação: Textos e Ideias. Administração:
Maria Antônia Silva e Paulo Jordão. Produção: Marco Ricca e Cia. do Bixiga.
A peça estreou no dia 16 de maio de
1994, na Sala Porão do Centro Cultural São Paulo.
Este foi o melhor aproveitamento que eu
presenciei do ingrato porão do Centro Cultural São Paulo, atualmente denominado
Espaço Ademar Guerra. Entrava-se no espaço ao som do Concerto nº 2 para piano e
orquestra de Sergei Rachmaninov (1873-1943), contemporâneo e conterrâneo de
Tchekhov (1860-1904), música que iria pontuar todo o espetáculo e que, mesmo sem ter sido escrita para ele, foi a trilha sonora
perfeita para as desventuras de Treplev, o trágico herói tchekhoviano. Com os
ouvidos já sensibilizados, chegava o momento de encantar o olhar com o belíssimo
cenário de J.C. Serroni, reproduzindo “Um
trecho do parque na propriedade de Sorin”,
como pede Tchekhov nas rubricas da peça. Assim, mesmo antes do início do
espetáculo, o espectador já estava aclimatado e predisposto para o que iria
acontecer após o terceiro sinal.
O texto é uma absoluta obra-prima e teve
uma tradução primorosa, pelas mãos competentes de Tatiana Belinky, que
infelizmente não foi publicada. Obra tão preciosa e delicada, merecia
tratamento à altura, e Francisco Medeiros soube fazê-lo, criando um espetáculo
belíssimo e sensível. Esse foi meu primeiro contato com uma encenação de A Gaivota. Houve outras, uma dirigida
por Daniela Thomas em 1998 com Fernanda Montenegro, e outra que era uma
eficiente desconstrução da peça dirigida por Enrique Diaz em 2007, mas nenhuma
alcançou a densidade poética conseguida por Medeiros, e é ela que merece um
lugar muito especial em minhas memórias de espectador.
Texto, cenário, música, iluminação
perfeitos, regidos por uma excelente direção de cena. E o elenco? Aqui a
memória criou uma armadilha. Tenho lembrança da forte presença de Walderez de
Barros compondo uma vigorosa Arkádina, do sempre eficiente Genezio de Barros
como Trigorin, da atuação iluminada do jovem Marco Ricca como Treplev e da
competência dos outros atores do vasto elenco. A questão é a atuação de Mayara
Magri como Nina, personagem que personifica a metáfora da gaivota do título. Tenho
essa atuação como o ponto fraco do espetáculo, mas não chegando a comprometê-lo.
De qualquer maneira, perante o resto do elenco o seu trabalho era o mais fraco.
Nelson de Sá foi implacável em sua crítica publicada em Folha de S. Paulo:
“O
destaque para baixo (no elenco) é Mayara Magri, que chega a dar a impressão de
só haver sido escalada porque a personagem diz ter consciência de "estar
representando verdadeiramente mal". Fora a brincadeira, a atriz não
consegue, em momento algum, refletir a pureza, a imagem de uma gaivota morta em
seu voo. Sem a imagem de Nina e sua paixão juvenil pelos artistas, a ponto de
confundir a glória com a fama, um dos temas tocados pela peça, A Gaivota perde
muito, mas muito mesmo. Nina, por Mayara Magri, não parece um anjo caído, mas
uma menina que já começou na futilidade e daí terminou como bem merecia.”
Sem radicalizar como o crítico, esses senões
não maculavam a bela encenação de Medeiros, que refletia muito bem o universo
do dramaturgo russo e as questões por ele levantadas, como o confronto entre
uma arte conservadora (representada por Arkádina), considerada ultrapassada
pelos mais jovens (Treplev), e uma arte jovem (representada por Treplev),
incompreendida e rejeitada pelos mais velhos (Arkádina e Trigorin). Quem está
com a razão? A arte não tem fronteiras, ela existe como tal, enquanto for feita
com verdade e paixão. Era essa a proposta do belíssimo espetáculo de Francisco
Medeiros, planejado nos mínimos detalhes, como, por exemplo, o intervalo que
durava exatamente os 12 minutos do adagio
sostenuto (segundo movimento do já citado concerto de Rachmaninov) e
durante o qual se podia percorrer as planícies russas criadas por Serroni para
o espetáculo. Sempre que ouço esse movimento do concerto, me transporto para o
ambiente criado pelo cenógrafo, fazendo uma significativa soma das memórias
auditiva e visual.
Uma curiosidade final: a peça iniciou a
sua temporada quando a moeda era o cruzeiro (a Cr$ 6000,00 o ingresso) e
terminou com o real já corrente (a R$ 4,40 o ingresso), pois foi nesse período
que foi implantado o Plano Real, tendo como objetivo a estabilização econômica.
A nova moeda foi lançada no dia 01/07/1994.
TCHAU, CHICO!
17/10/2019