quarta-feira, 27 de março de 2013

A DESPEDIDA DE CAIS

     NOTÍCIA TRISTE: Ontem foi a última apresentação daquele que, na minha opinião, foi um dos melhores espetáculos estreados em São Paulo em 2012: "Cais ou Da Indiferença das Embarcações", escrito e dirigido por Kiko Marques, com a "Velha Companhia". Assisti ao espetáculo pela terceira vez e mais uma vez me emocionei com a beleza do mesmo. Momento especial ao final do espetáculo com a entrega de um buquê de flores para o ator Walter Portella.


    NOTÍCIA ALEGRE: O espetáculo volta ao cartaz no dia 20 de maio, ainda no Instituto Capobianco e sempre às 2ªs e 3ªa feiras, às 20 horas. Infelizmente desfalcado da excelente Virginia Buckowski que será substituída para ganhar o seu bebê e do não menos excelente músico Umanto, que abandona o cais em busca de novas aventuras.
Quem não assistiu, não pode perder. E que venham os prêmios, pois o espetáculo para ganhá-los já existe.
   E VIVA O TEATRO, dia 27 de março é o dia dele. Assistindo a uma montagem como essa dá para acreditar na sua perenidade.

terça-feira, 12 de março de 2013

MEMÓRIAS DE UM ESPECTADOR - O QUINTAL E O TEATRO ZEZINHO


         Passei boa parte da infância e da pré-adolescência no quintal da casa na Rua Joaquim Ferreira. Nasci nessa casa. A casa era pequena e desconfortável, com todos os cômodos abertos e sem nenhuma privacidade, o banheiro era fora e durante muito tempo não tinha nem chuveiro elétrico, sendo que o banho, se quente, tinha que ser de bacia.  

         Mas o quintal, ah o quintal! Era muito comprido, terminando num alto muro de tijolo à vista que fazia divisa com o terreno do Curtume Franco Brasileiro.

         Era ali que minha nonninha Agnesa tinha suas plantações: muitos mamoeiros, umas flores miudinhas chamadas cravina, uma pequena horta e o seu xodó, uma pequena árvore de romã com suas folhas muito verdes e lustras e aquele fruto mais belo que saboroso. Certa vez, esta árvore causou uma grande tristeza à minha nonna, quando da noite para o dia, um exército de saúvas carregou folhas e frutos, deixando apenas a carcaça do pequeno arbusto. Tenho na lembrança que na época eu associava esta árvore ao maná que aparecia no filme Os Dez Mandamentos.

         Mas o quintal tinha muito mais: o quarador de roupas bem no centro, um rolo de arame farpado eternamente pendurado no muro, o buraco feito por mim no muro do Curtume para bisbilhotar o que acontecia do outro lado, os gatos que constantemente faziam suas andanças pelos muros mais baixos que dividiam a nossa casa com a dos vizinhos: Dona Adelina e Seu Maneco de um lado e Dona Maria e Seu Armando Lavrador do outro. 

    
         Mas para mim, o maior tesouro estava no pequeno barracão que ficava ao fundo do lado direito. Ali eu guardava meus brinquedos, os recortes de jornal com propagandas de filmes. Ali também eu “instalei” o meu cinema. Fazia cartazes com os filmes em exibição e obrigava os meus primos menores Denize, Roberto e Osmar a “me” assistirem apresentando sozinho as cenas que imaginava. Tempos depois “inaugurei” ali o Teatro Zezinho. Eu sonhava em montar peças no fundo do meu quintal. Tentava convencer meus amigos para fazer teatro comigo, mas eles estavam mais interessados em andar de bicicleta, jogar bolinha de gude e correr atrás de uma bola. Sendo assim, só me restava criar uma montagem imaginária com aqueles amigos. Eu pegava a lista das personagens da peça e distribuía os papéis para eles, reservando para mim o papel principal, a direção, os cenários e o nome do teatro. Eu era uma espécie de Charles Chaplin e fazia tudo, sendo até mesmo o público: certa vez caminhava lentamente pelo longo corredor da casa, que desembocava no quintal. Andava, parava alguns momentos e voltava a andar. Minha mãe achou aquilo estranho e perguntou o que eu estava fazendo. Respondi de imediato que estava na fila do teatro. Continuei na fila até chegar à bilheteria (um buraco, devido à retirada de um tijolo da parede) e aí eu me desdobrava: pedia o ingresso, ia para o lado, entregava o ingresso e nesse ir e vir entrava no meu teatro, onde representava para mim mesmo.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A URGÊNCIA DE "MORRO COMO UM PAÍS"



                Lembrar É Resistir foi o título de uma encenação realizada no Prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 1999 (a peça era apresentada nas celas onde pessoas foram torturadas e mortas durante a ditadura militar brasileira) e esse também poderia ser o título do pungente espetáculo criado pelos Fernandos (ela, Azevedo ; ele, Kinas) da Kiwi Companhia de Teatro, em cartaz às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 19h no Teatro Grande Otelo Sótão até 28 de abril.
                Literamente vestindo a camisa dos presos torturados e mortos nas ditaduras latino americanas, Fernanda desfila uma série de situações indicando que o monstro ainda está vivo e resistir é preciso. Por meio de metáforas e situações lúdicas são mostrados os tipos de tortura executadas pelos poderosos (afogamento, asfixia) e até um inocente joguinho de terra e mar é usado para mostrar como funcionavam os terríveis voos da morte, muito aplicados na Argentina e no Brasil (supõe-se que Rubens Paiva tenha sido executado dessa maneira).
Divulgação
                A alienação da população e o colaboracionismo (ativo ou passivo) são mostrados por meio de uma sessão musical onde Fernanda mostra seus dons de percursionista e de uma cena onde travestida de Carmen Miranda ela entoa Disseram Que Eu Voltei Americanizada.
                Deste modo, tratando de assunto tão grave, o espetáculo, da melhor forma épico-brechtiana, é leve, porém, bastante didático, levando o público a refletir sobre os fatos mostrados.  Outro eficiente recurso de distanciamento é aquele que situa a idade da atriz na ocasião do fato narrado. (“Eu, Fernanda, tinha três anos, quando foi instalada a ditadura militar na Argentina, em 1976”).
Divulgação
                Boa parte do texto apresentado provém do texto homônimo do escritor grego Dimitris Dimitriadis sendo que o mesmo já serviu de base para uma encenação portuguesa do Colectivo 84 em 2010, dirigida por John Romão, provando o quanto é contundente e revelador.
                Conforme informação do diretor Fernando Kinas, o espaço cênico da montagem é muito parecido com algumas salas da Escuela de Mecánica de La Armada (ESMA), local em Buenos Aires, onde eram concentrados, torturados e desaparecidos aqueles considerados inimigos da ditadura militar.
                Morro Como Um País é um espetáculo muito sério, oportuno e urgente para ser assistido, digerido e refletido por jovens que não viveram aqueles dias de triste memória, talvez desconheçam os fatos ocorridos e de quem depende o futuro do mundo. É preciso lembrar sempre que “Eu sou os que foram”.