O
mês de julho foi bastante gratificante para mim. O lançamento do meu livro O
PALCO PAULISTANO DE GOLPE A GOLPE (1964-2016) levou mais de 150 pessoas à Casa
das Rosas na muito fria noite do dia 19 e como espectador, tive o privilégio de
assistir a ótimos espetáculos. Alguns deles foram comentados neste blog (O Dragão
de Fogo, Patética, Hotel Mariana e Pescadora
de Ilusão), mas houve muitos outros e por total falta de tempo não pude
escrever sobre eles, faço então uma resenha daqueles que mais me surpreenderam:
- SÚTIL
VIOLENTO – Produção da Companhia de Teatro Heliópolis, dirigida por Miguel
Rocha. Bastante voltado para a expressão corporal, o espetáculo chega a lembrar
dos laboratórios performáticos muito em voga nos anos 1970, dos quais O Terceiro Demônio do Grupo TUCA é o
melhor exemplo. Elenco e músicos coesos e em sintonia com a proposta do
encenador.
- IMORTAIS
– A peça de Newton Moreno tem brilhante monólogo inicial realizado com toques
de humor por Denise Weinberg onde sua personagem, uma velha que vai morrer,
quer passar seus últimos momentos próxima à cova de seu marido. Infelizmente na
continuação a peça não se mantém nesse nível. Direção de Inez Viana.
- A
VOZ QUE RESTA – A peça é um intenso exercício de interpretação de Gustavo
Machado representando homem carente tanto física como espiritualmente de sua
amante Marina. Ele grava uma fita cassete para ela durante toda a ação da peça.
Texto bem elaborado por Vadim Nikitin que também dirige o espetáculo. A
iluminação de Aline Santini acompanha e ilustra o desespero do homem. A
carência física atinge seu auge quando para amenizá-la o homem se masturba na
forte e necessária cena final.
- CHORUME
– Mais um texto inusitado de Vinicius Calderoni em uma encenação bonita e
interessante do próprio autor onde os atores fazem deslocamentos bastante
originais em cena contracenando com o cenário móvel de André Cortez e com a
iluminação de Wagner Antonio.
- FOME.DOC
– O roteiro de Fernando Kinas é uma antologia sobre a fome que inclui notícias
de jornais, relatórios, Josué de Castro, Kafka e até O Comedor de Gilete, música de Carlos Lyra, popularizada por Ary
Toledo. O extenso material resulta em espetáculo muito longo, apesar das ótimas
interpretações da brechtiana Fernanda Azevedo que comenta com distanciamento
cada palavra que profere e de Renan Rovida, este, uma excelente surpresa.
Espetáculo sério, engajado e muito necessário para os dias que vivemos.
- NU
DE BOTAS – Simpaticíssimo e gostoso espetáculo mostrando o universo de uma
criança (Antonio Prata) com a descoberta das relações (a separação dos pais),
do sexo e da morte. Elenco espontâneo com interpretações naturalistas. Direção
de Cristina Moura.
- MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS – Remontagem da adaptação de Regina Galdino da obra
de Machado de Assis que fez sucesso há 19 anos com Cássio Scapin. Agora quem
veste a roupa de Brás Cubas com muita verve, ironia e graça é Marcos Damigo que
tem porte, flexibilidade corporal e vocal. Ótimo trabalho.
- A
MORTE DE IVAN ILITCH – Tour de force
de Cácia Goulart vivendo Ivan Ilítch do vigor como juiz à decadência e agonia
até a morte. A adaptação jaz jus à magnífica novela de Tolstoi. A peça que
cumpriu temporada há alguns anos, foi apresentada apenas por duas vezes na
Biblioteca Mario de Andrade e merece um retorno ao cartaz.
- PARA
NÃO MORRER – A figura em cena lembra uma velha feiticeira sábia detentora
dos segredos da humanidade focando sua atenção em mulheres guerreiras,
militantes e resistentes presentes no livro Mulheres
de Eduardo Galeano. A personagem tem o braço esquerdo e parte do lábio
paralisados. Interpretação vigorosa da atriz curitibana Nena Inoue que tem o
corpo nu coberto por vasta cabelereira.
- OS
ATINGIDOS – Alguns dirão “Mais uma peça tratando da tragédia de
Mariana?”... Mas seriam necessárias mais de uma dezena delas para denunciar
essa barbaridade que só podia acontecer em um país onde imperam a impunidade e
o descaso pelas vidas humanas. Enquanto Hotel
Mariana nos pegava pela emoção, Os
Atingidos o faz pela razão. Em ambos os casos fica explícita a denúncia
necessária dos fatos ocorridos em 05 de novembro de 2016. O grupo esteve em
Mariana e trouxe alguns objetos que têm papel importante na dramaturgia de
cena. O texto de José Fernando Peixoto de Azevedo (também diretor) baseado em
depoimentos recolhidos no local e nas notícias da mídia é bastante consistente.
Elenco afinado e ótima utilização de recursos cinematográficos que dão caráter
épico à encenação. O operador de vídeo tem papel tão importante em cena quanto
os atores.
- ON
LOVE – Espetáculo de Francisco Medeiros que se assiste com um sorriso (às
vezes, amargo) nos lábios. São seis monólogos falando de relacionamentos
amorosos em suas mais diversas formas. Três deles foram escritos pelo
dramaturgo escocês Mick Gordon e os outros três foram criados pelos atores seguindo
o mesmo modelo de Gordon. Interpretação espontânea e bem equilibrada dos três
atores (Eloisa Elena, Claudio Queiroz e Júlia Moretti), auxiliados pelos
adereços criados por Marisa Bentivegna (malas de madeira que contém roupas,
plantas e bancos). Há um intermezzo
coreografado que prepara a última cena que é verdadeiro balé. Ah, a magia do
teatro! Um imenso tapete vermelho limita a ação do gostoso espetáculo onde o
público fica no palco, bem juntinho aos atores.
Com
exceção de Sutil Violento (em cartaz
na Casa de Teatro Maria José de Carvalho até 27/08), Chorume (em cartaz no Sesc Bom Retiro até 13/08) , Fome.doc (em cartaz no Centro Cultural
São Paulo até 20/08) e Memórias Póstumas
de Brás Cubas (em cartaz no Teatro Eva Herz até 29/09), todos os outros
trabalhos já saíram de cartaz.
A
resistência da nossa gente de teatro emociona e nos faz ter forças para bradar
EVOÉS pela cultura deste país que tanto dela necessita.
Ainda
neste mês assisti se não ao melhor, ao mais belo filme do ano: POESIA SEM FIM, do diretor chileno
Alejandro Jodorowski. Raro e belíssimo e muito diferente de tudo que já vi na
vida. Lembra Fellini nas reconstituições e no onírico, mas vai mais fundo no
surreal . Assisti de boca aberta e me tirou do chão.
01/08/2017