Somos todos
espectadores
Somos todos atores
Somos todos
passageiros
Neste mundo de meu
Deus.
Existem
grupos que temos grande prazer em acompanhar a trajetória e este é o caso da Trupe Sinhá Zózima que nos cativa pelo
acolhimento, pela simpatia e, principalmente, pelo talento e pela qualidade de
seus trabalhos caracterizados por serem realizados em ônibus e por apresentarem,
com muita delicadeza, temas singelos sempre ligados à passagem do tempo, à
saudade e à memória. Meu primeiro contato com o grupo foi em 2009 com a
apresentação de Valsa Nº 6, que tinha
um dos finais mais bonitos que já presenciei em teatro: quando o público descia
do ônibus onde a peça era apresentada o elenco se despedia acenando na janela
traseira do veículo. Seguiram-se Cordel
do Amor Sem Fim em 2012 (na verdade
esta é a primeira montagem do grupo estreada em 2007) e Dentro É Lugar Longe em 2013. Todas essas montagens eram
apresentadas no ônibus da companhia apenas para os espectadores formais.
Com
Os Minutos Que Se Vão Com O Tempo, o
grupo radicaliza sua proposta realizando a peça em transporte público de linhas
que trafegam do Terminal Dom Pedro II até cinco diferentes terminais
(dependendo do dia da apresentação) com passageiros normais que entram,
permanecem ou saem, além dos espectadores que vieram para assistir ao
espetáculo. Com tal proposta os atores submetem-se a novas experiências a cada
viagem necessitando de grande versatilidade e certo grau de improvisação para
enfrentar reações inesperadas de passageiros/espectadores flutuantes que saíram
de casa ou estão voltando para ela . Na apresentação a que assisti uma jovem passageira
se emocionou de tal maneira quando se cantava uma canção que tratava de saudade
que começou a chorar copiosamente tendo sido acalentada por uma das atrizes e
por uma senhora moradora de rua que nos acompanhava desde o Terminal Dom Pedro
II; a maneira como essa senhora humilde consolou aquela moça constituiu-se em
emoção à parte, fazendo com que a gente se pergunte: quem é ator, quem é
espectador e quem é passageiro neste mundo de meu Deus?
A
dramaturgia da peça, em processo colaborativo, é assinada por Cláudia Barral e baseia-se
em fatos relatados por passageiros e por relatos do próprio grupo, resultando
num todo harmonioso e poético.
A
homogeneidade do elenco não nos permite destacar este ou aquele trabalho onde
todos, sem exceção, saem-se muito bem na interpretação das personagens, nas
improvisações e no canto. Cumpre notar que desde o último trabalho houve enorme
progresso no que se refere às interpretações das belas canções, todas elas
compostas pelo grupo. A direção musical do espetáculo é de Luiz Gayotto.
Como
encenador Anderson Maurício limita-se a reger o conjunto de atores (inclusive
ele) de maneira delicada e harmoniosa sem exibicionismos desnecessários. Há um
DVD de Chico Buarque que se refere ao Brasil como “o país da delicadeza perdida”,
mas podemos afirmar que ainda se pode encontrar delicadeza dentro de um ônibus que
caminha lotado pelas ruas de São Paulo em direção ao Terminal Santo Amaro e que
todos aqueles que ali estiveram (espectadores/passageiros) saíram da
experiência com a alma alimentada. PARABÉNS SINHÁ ZÓZIMA.
INFORMAÇÕES
SOBRE O ESPETÁCULO:
(55
11) 98053-0652 / www.sinhazozima.com.br
29/04/2016