segunda-feira, 13 de maio de 2024

RITA LEE - UMA AUTOBIOGRAFIA MUSICAL

 

Munido de minha, por ora, inseparável cadeira de rodas e das extremas boa vontade e dedicação de meu anjo Arnaldo, ontem foi o dia de mais uma aventura teatral, desta vez no Teatro Porto.

Como cadeirante tenho sido testemunha não só dos equipamentos de acessibilidade disponíveis nos teatros como a eficiência e gentileza de bombeiros e pessoal envolvido com segurança. Um aplauso especial a esse grupo.


Por iniciativa de Mel Lisboa, que já havia interpretado a cantora há dez anos, a figura de Rita Lee volta poderosa em um musical tipicamente brasileiro baseado em sua autobiografia.

Mel já demonstrou seu talento e versatilidade tanto em peças infantis, como em novelas e em espetáculos de alta carga dramática e não deixa de fazê-lo, muito à vontade, ao interpretar a rainha do rock brasileiro.

Trata-se de um musical de estrutura simples, mas muito bem realizado, contando a história de Rita Lee por meio de suas deliciosas e irreverentes composições. O roteiro que amarra harmoniosamente textos e canções é de autoria de Guilherme Samora e teve uma delicada tradução cênica por Débora Dubois e Marcio Mecena.

A respeitável ficha técnica inclui os nomes de Marco França e Marcio Guimarães na direção musical, Tainara Cerqueira assinando as belas coreografias, a iluminação sempre criativa de Wagner Pinto e os inúmeros figurinos criados por Carol Lobato a partir do universo de Rita Lee, isso sem contar com o ótimo elenco liderado por Mel Lisboa e a banda que os acompanha nos números musicais. Um único senão, em minha opinião, fica por conta das nem sempre convincentes recriações de personalidades como Ney Matogrosso, Gal Costa. Gilberto Gil e Elis Regina, exceção feita à ótima composição de Hebe Camargo por Debora Reis.

Rita Lee afirmava que seu objetivo como artista era fazer as pessoas felizes, objetivo que este espetáculo cumpre plenamente, haja vista o semblante de alegria de todos os espectadores ao sair do teatro.


Sessões às sextas às 20h, aos sábados às 16h e às 20h e aos domingos às 17h.

DELICIE-SE!!!

 

13/05/2024

 

sábado, 11 de maio de 2024

LET’s PLAY THAT ou VAMOS BRINCAR DAQUILO

 


Imbuído de certa coragem, incentivado pelo meu amigo Arnaldo e tendo conseguido os disputados ingressos por meio da minha querida Adriana Monteiro, me aventurei à primeira saída teatral “depois da queda”.

Depois da Queda (After the Fall) é uma peça de Arthur Miller (1915-2005) que fez muito sucesso na década de 1960 em elogiada montagem de Flávio Rangel com Maria Della Costa, Paulo Autran e Dina Sfat nos papeis principais.

Esse título me remeteu à situação atual que tem feito eu reaprender a andar e a olhar depois da famigerada queda ocorrida em 08 de abril.

A peça para esse retorno tinha que ser escolhida a dedo e minha atenção se voltou para o espetáculo Let’s Play That onde Tuca Andrada recria a vida e obra de Torquato Neto (1944-1972), poeta, crítico, multiartista e provocador, além de importantíssima figura do tropicalismo. Torquato é mais lembrado por sua figura soturna e pelo seu suicídio aos 28 anos, mas Tuca faz um espetáculo solar, mostrando o lado criador e até alegre do grande artista que foi Torquato, cujo objetivo era sempre “desafinar o coro dos contentes” como prega sua famosa canção feita em parceria com Jards Macalé e que dá título a este luminoso trabalho.

Munido apenas de um pequeno banco/tambor como objeto de cena e de sua incrível preparação corporal Tuca canta, dança, interpreta poemas e rasteja pelo espaço cênico do SESC Pompeia.

Após um breve bate papo com o público, Tuca encerra triunfalmente o espetáculo interpretando a icônica Marginália II de autoria de Torquato e de Gilberto Gil (eu brasileiro confesso, minha culpa meu degredo, minha solidão...aqui é fim do mundo,,,) vestindo um colorido parangolé desenhado por Izabel Carvalho.

E assim terminou com chave de ouro esta primeira e muito significativa volta aos meus amados palcos paulistanos... DEPOIS DA QUEDA!

 

11/05/2024

 

 

quinta-feira, 2 de maio de 2024

UM LUGAR AO SOL

Certa feita ganhei um caderno, cuja capa trazia a seguinte frase: “Os sonhos não envelhecem.” O que me motivou a escrever sobre os meus sonhos. Na primeira página deste caderno escrevo sobre o sonho antigo de ir a Cartoucherie de Vincennes, assistir a um espetáculo do Théâtre du Soleil e esse dia finalmente chegou: 25/02/2024.

Depois de uma viagem de metrô e ônibus, atravessei emocionado, debaixo de um céu cinzento, o portão que tem a inscrição “Cartoucherie”. Vários galpões compõem o complexo cultural, que também é ocupado por outros grupos de teatro. O Théâtre du Soleil ocupa dois desses galpões. No primeiro está a recepção, o local para escolha dos assentos, o restaurante e a loja que vende os produtos do grupo. No segundo estão a sala de representação e os camarins.

Assisti ao espetáculo NOTRE VIE DANS L’ART escrito e dirigido pelo norte-americano Richard Nelson, traduzida por Ariane Mnouchkine e interpretado pelo elenco do Théâtre du Soleil. A peça trata das conversações entre os atores do Teatro de Arte de Moscou, durante sua turnê em Chicago, no ano de 1923.

Voltando aos edifícios, almocei no restaurante do galpão 1, que servia comida de origem russa, de acordo com o tema da peça. Quem me serviu foi um simpático armênio que posteriormente constatei ser um dos atores principais do elenco.

E eis que chega a hora de ir para a sala de espetáculos no galpão 2. A sala é formada por duas plateias laterais, uma de frente para a outra, e um palco retangular no centro, à semelhança da disposição cênica apresentada no espetáculo Les Éphémères.

Em volta de uma mesa, um grupo de artistas do Teatro de Arte de Moscou discute sobre arte e política. Richard Boleslavski, antigo ator do grupo, ora exilado no oeste dos EUA, também está com eles.

A peça começa e termina com a leitura de duas cartas supostamente escritas por Stanislavski, uma em 1936 e a outra em 1938, dirigidas a Stalin, enaltecendo o governo Stalinista e a sua atenção pela arte no país. Quem lê as cartas é o personagem Richard e é claro o conteúdo crítico das mesmas, uma vez que Stalin não morria de amores e perseguia toda e qualquer arte que não se inscrevesse no realismo social ditado por seu governo.

A peça consta de um prólogo (a carta de 1936), seis cenas que se passam praticamente num mesmo dia de 1923 e um epílogo (a carta de 1938).

As cenas têm curvas dramáticas parecidas, momentos de tensão alternados com outros descontraídos. A interpretação dos atores é impecável e, apesar do diretor/autor declarar que teve total liberdade para criar o espetáculo, é bastante visível a marca Soleil/Mnouchkine, tanto na interpretação, como na manipulação dos objetos. Outro elemento característico do grupo são as expressões marcantes daqueles que não estão falando, o que mostra o quanto eles estão verdadeiramente dentro da ação.

A trilha sonora é discreta e neste caso não conta com a participação de Gean-Jacqes Lemêtre, foi composta por

Apesar de não ter entendido todo o texto (fala corrida em francês), acredito que acompanhei bem a peça e compreendi o espírito da mesma.


Foi um grande prazer rever os atores do Soleil: Maurice Durozier, excelente como Stanislavski; Duccio Bellugi-Vannuccini e, principalmente, Shaghayegh Beheshti que compõe uma mulher de meia idade e que em certos momentos remete à inesquecível Perle de Les Éphémères. Reconheci também Judit Jancsò que atuou em Náufragos da Louca Esperança e que aqui interpreta a sensível Masha. No meu entender a mais frágil do elenco é Hélenè Cinqee que faz o importante papel de Olga Knipper, viúva de Tchecov.

Por toda a estética da encenação, penso que tanto Richard Nelson, os atores do Soleil e Ariane Mnouchkine tenham ficado satisfeitos com o resultado.

E assim se realizou um dos grandes sonhos da minha vida...

Esta matéria foi transcriada de meu diário de bordo da viagem com a ajuda inestimável de meu amigo Arnaldo D’Ávila.

A selfie do sonhador

Todas as fotos foram tiradas por mim.

02/05/2024

 

 

quarta-feira, 1 de maio de 2024

GLAUCE

 Acredito que minha geração foi a última que teve o privilégio de assistir a Glace Rocha (1930-1971) no teatro. Glauce era uma atriz visceral que se jogava em cena como uma trapezista sem rede de proteção.

Eu a vi duas vezes em 1970: em O Exercício de Lewis John Carlino, onde ela dividia o palco com Rubens de Falco e pouco depois em Um Uísque para o Rei Saul, monólogo de Cesar Vieira, que abriu o Festival de Teatro Amador do Sesc daquele ano. Menos efêmero que o teatro, no cinema ainda pode-se ver interpretações antológicas da atriz, em Navalha na Carne adaptação da peça de Plínio Marcos dirigida por Braz Chediak e Terra em Transe de Glauber Rocha.

 Débora Duboc - foto de Priscila Prade
O autor Leonardo Netto escreveu esta peça biográfica da atriz, que tem excelente interpretação de Débora Duboc e dirigida delicadamente por Debora Debois.

A peça se passa nas últimas 24h de vida de Glauce, inicia-se na noite em que ela recebe um estranho telefonema, onde lhe é dito que “a morte está rondando”... e a partir daí ela revê aspectos importantes de sua vida, culminando com sua morte na noite seguinte.

Para os que ainda não sabem, eu sofri um acidente que comprometeu minha capacidade motora e pela situação atual, esta é a última matéria sobre teatro que eu escrevo. Espero que isto se reverta logo e que brevemente eu volte a frequentar os teatros e torne a escrever sobre os espetáculos.

Glauce teve sua estreia em São Paulo no dia 5 de abril e encerra sua temporada neste final de semana. Não deixe de assistir.

 

 

CABARÉ CORAGEM

Mais uma delícia do Grupo Galpão, com o qual me encanto desde que assistia Romeu e Julieta no Sesc Pompeia em 1993 (ele foi fundado em 1982).

Como todo bom cabaré, este tem ar de decadência e é formado por inúmeros quadros musicais e circenses, como a cena impagável onde Eduardo Moreira manipula a boneca Inês Peixoto, que em um determinado momento revolta-se e passa a manipulá-lo.

Foto de Mateus Lustosa
Duas cenas sublimes: Teuda Bara, que interpreta a dona do cabaré, faz um trecho de Mãe Coragem de Brecht, onde canta a música Mãe Coragem de Caetano Veloso e Torquato Neto, sendo aplaudida de pé pelo público; e o número de Antonio Edson cantando Los Hermanos de Violeta Parra.

Louve-se também as cenas onde atuam Lydia Del Picchia, Simone Ordones e Luiz Rocha, as quais não revelarei aqui para que os espectadores tenham surpresas. Cada um do elenco tem seu momento de destaque neste coletivo excelente.

Inês Peixoto abre o espetáculo cantando Puro Teatro, canção imortalizada pela cantora cubana La Lupe, que cabe como uma luva para o espetáculo.

A presença de textos e canções Brecht dão o toque político-social do espetáculo, assunto muito presente no repertório do Grupo Galpão. A apresentação é contagiante e energética do início ao fim, sai-se de Cabaré Coragem com alma alimentada.

Corra que a temporada termina neste final de semana.

Eu com grande dama do Galpão, Teuda Bara