Muitos grupos ditos pós-modernos conclamam que o teatro de texto
tradicional (também chamado de dramaturgia de gabinete) não dá mais conta dos
problemas contemporâneos, então um jovem dramaturgo indo na contramão cria um
texto que obedece a todas as regras daquela dramaturgia ainda ensinada nas
escolas de teatro e ludicamente, porque nos faz rir muito, também nos faz
refletir sobre fatos tão presentes no mundo contemporâneo como a solidão da
velhice, os jogos de interesse quando dinheiro é o assunto da conversa, as
manipulações, as dificuldades em lidar com os serviços públicos brasileiros e
até a solidariedade que surge em situações caóticas. É pouco? NÃO É! E aqui
quero parafrasear o crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio (que, por sua vez,
parafraseou Vinicius de Moraes): “os formalistas que me perdoem, mas um bom
roteiro é fundamental!”.
Maldito Benefício
é um texto muito bem construído de Leonardo Cortez que está em cartaz no Centro
Cultural São Paulo com simples e segura direção de Marcelo Lazzaratto. Uma história
bastante realista que lembra os primeiros textos de Gianfrancesco Guarnieri e
onde o anti-herói chama-se Tião (coincidência ou homenagem, ele é homônimo da
personagem de Guarnieri em Eles Não Usam
Black Tie). Tião é um homem bastante
estressado em função de suas dificuldades financeiras, com a mulher com um
filho na barriga, um pai que mora com eles e um cunhado que explora a sua força
de trabalho (Tião dirige um taxi de propriedade do mesmo). A possibilidade do recebimento de valores
retroativos correspondentes a uma correção da aposentadoria do pai vai gerar o
maldito benefício que dá título à peça, gerando conflitos, situações engraçadas
e até um clima de suspense ao final da história. Engenhosamente a narrativa é
pontuada por locuções que remetem àquelas de jogos de futebol e que ilustram o
desenvolvimento da ação.
A peça tem ação em três diferentes ambientes: o açougue de
Nunes, o cunhado; o taxi de Tião e a casa do mesmo. Criativamente, o diretor e
o cenógrafo Zé Valdir criaram um espaço único no meio do palco que contempla os
três ambientes ao ser girado pelos próprios atores. A iluminação de Lazzaratto
ajuda a criar a ambientação necessária para cada situação.
Um espetáculo desse gênero tem que contar com um elenco
talentoso que saiba trabalhar na linha realista e talento aqui não é o
problema. Glaucia Libertini faz a esposa provinciana e aparentemente submissa
que sabe a hora de colocar as mangas de fora, Daniel Dottori é um Nunes amoral
e interesseiro, Ricardo Corte Real esbanja simpatia e graça com sua composição
do velho Nelson que quase morre antes do tempo e que não é tão inocente como às
vezes parece ser. O autor, Leonardo Cortez, reservou para si o papel de Tião e
o defende com unhas e dentes, demonstrando muita energia em cena. Ao meu modo
de ver, ele deveria começar o espetáculo um pouco mais moderado e fazer sua
revolta e indignação crescer ao longo da montagem, evitando uma linearidade na
agressividade de sua interpretação.
Maldito Benefício
é teatro tradicional dos bons e não deve ser tratado como peça de museu, pois
se trata de uma obra tão contemporânea como as que assim se intitulam e que na
maioria das vzes não dizem a que vieram.
Como complemento, o texto da peça é distribuído
gratuitamente para o público ao final da mesma. Grande serviço prestado pelo
Centro Cultural São Paulo para a divulgação da dramaturgia brasileira.
Maldito Benefício,
está em cartaz de 16 de maio a 29 de junho no Centro Cultural São Paulo, às
sextas e aos sábados às 21h e aos domingos às 20h.
NÃO PERCA ESTA OPORTUNIDADE SE DIVERTIR E REFLETIR SOBRE
MUITOS DOS PROBLEMAS DO NOSSO TEMPO.