segunda-feira, 1 de abril de 2024

O VAZIO NA MALA

 

                Texto, interpretações, cenário, iluminação, trilha sonora, imagens projetadas; toda essa excelência harmonizada pelo toque de mestre do diretor Kiko Marques.

        Talvez essa frase coubesse melhor ao final desta matéria, mas quero iniciar enfatizando como é uniforme este espetáculo em todos os aspectos que compõem uma montagem teatral.

        A guerreira e talentosa Dinah Feldman é a realizadora do projeto inspirado em fatos ocorridos com pais e avós de seu primo William Jedwab. Ao tratar mais uma vez do holocausto (de forma bastante original, é bom ressaltar), a peça transcende a questão judaica e enfatiza que lembrar é preciso, pois a extrema direita está à espreita a espera de qualquer brecha para voltar ao poder.

        A confecção do texto foi entregue à dramaturga Nanna de Castro (autora do inesquecível Novelo, que merecia uma nova montagem). O resultado, misto de fatos reais e ficção é brilhante e os diálogos fluem naturalmente, carregados de verdade e de humanidade. A autora, auxiliada pela direção de Kiko Marques e pela interpretação de Noemi Marinho, soube contornar os perigos da peça cair em um melodrama piegas.

        A envolvente trilha sonora composta por Gregory Slivar é baseada em canções da música judaica e colaboram para o envolvimento do espectador na ação.

        O cenário de Márcio Medina é composto de dois praticáveis onde estão dois quartos. Na parte livre do palco desenvolve-se as outras ações da peça. Iluminação discreta e eficiente de Wagner Pinto.

        André Grynwask e Pri Argoud voltam a brilhar com as poderosas imagens projetadas no telão ao fundo do palco. Fotos de família e imagens destorcidas das cidades arrasadas pelas guerras compõem esse mosaico que ilustra o tema da peça.

        Os figurinos em tons cinza de João Pimenta revelam o espírito dos personagens. Apenas a cuidadora Ruth tem vestimentas mais leves e coloridas.

        Resta escrever sobre o elenco! Coisa fácil quando se está diante de tanto talento. A peça gira em torno de quatro personagens: Samuel, o jornalista que volta de Israel com muitas dúvidas sobre o passado da família; seu pai Franz já falecido; sua avó Esther de 92 anos, última sobrevivente e detentora do passado e Ruth, a cuidadora de Esther. A trama circula entre o passado e o presente de forma bastante fluida e entendível.

        Fabio Herford, em seu bem-vindo retorno ao teatro representa o atormentado Franz.

        Dinah Feldman reserva-se um papel quase secundário como a cuidadora Ruth e o faz com muito talento e dignidade.

        Emílio de Mello, outro auspicioso retorno aos palcos paulistanos, encarrega-se de maneira brilhante do personagem de Samuel. Sua dicção perfeita e seus diálogos com a avó são inesquecíveis.

        Todas as honras para Noemi Marinho como a idosa Esther. A composição da atriz é emocionante, mantendo sempre a pronúncia judaica, circulando entre a lucidez e a demência e também adquirindo posturas distintas nas diferentes idades exigidas pela trama. Noemi, além de tudo, dá toques de humor aos momentos dramáticos, fazendo o público rir e se emocionar ao mesmo tempo. Trata-se a meu ver da melhor interpretação dessa grande atriz que com certeza estará na lista das indicadas aos prêmios de interpretação feminina do ano.

        E como foi dito no início, Kiko Marques rege todo esse talento que resulta em um momento raro do nosso teatro.

        Assiste-se ao espetáculo de hora e meia sem um piscar de olhos e estes marejam-se no final surpreendente e emocionante que justifica o título do mesmo.

        Completam essa excelência o visagismo de Louise Helène, as fotos de João Caldas e a perfeita direção de produção da incansável e entusiasmada Marcela Horta.

        Foi realizado um robusto programa de 84 páginas com informações importantíssimas e belas fotos que, infelizmente, só está disponível virtualmente.

        Parabéns à Dinah Feldman pela realização desse belíssimo projeto.

        O VAZIO NA MALA está em cartaz no Centro Cultural FIESP até 30 de junho, de quinta a sábado às 20h e domingos às 19h. Ingressos gratuitos.

        Conselho: A temporada é longa, mas não deixe para o final, porque com certeza você vai querer ver de novo. É IMPERDÍVEL!!

        01/04/2024