A
MITsp acabou ontem, dia 15 de março de 2020, truncada em parte pela pandemia do
corona vírus, O eixo MOSTRA DE ESPETÁCULOS teve um espetáculo cancelado (SOPRO)
devido ao fechamento do teatro do SESI e foram poucos os cancelamentos nos
outros eixos. A Mostra terminou na hora certa, pois a partir de 16 de março praticamente
todos os teatros da cidade estão fechados. Tristes tempos!
Dos
13 espetáculos internacionais programados na MOSTRA DE ESPETÁCULOS foram
realizados 12, dos quais assisti a dez. Não tive condições de acompanhar a
MITbr, nem as ações pedagógicas, assim como os espetáculos da simpática Faroffa
(muitos deles eu já havia visto). Segue abaixo na ordem de minha preferência um
balanço do que vi, seguido em itálico do que escrevi quando assisti aos espetáculos:
1. CASA MÃE - Insuperável primeiro lugar, talvez o
maior impacto teatral do ano. Poderosa metáfora da ascensão e queda de nossa
civilização ocidental.
Não se irrite, nem queira abandonar a sala
nos primeiros quarenta minutos de Casa Mãe. VOCÊ NÃO PERDE POR ESPERAR. Todo o
preparativo tem razão de ser na performance da poderosa artista francesa Phia Ménard.
O terço final é uma das coisas mais impactantes (pelo conteúdo) e arrebatadoras
(pela forma) a que eu assisti em toda minha longa vida de espectador tanto de
teatro como de cinema. Não escrevo sobre ele, nem coloco fotos para não
estragar o seu impacto e o seu arrebatamento.
2. JERK (BABACA) – Desagradável, sim! Não poderia ser
diferente devido ao tema tratado, mas que concepção e que interpretação de Jonathan
Capdeviellle.
No melhor dos sentidos, trata-se de um
espetáculo “doente” onde por meio de fantoches (figuras normalmente ligadas ao
inocente mundo infantil) conta-se história escabrosa sobre violações, torturas
e execuções de garotos executadas por um serial killer (Dean Corll), auxiliado
por dois adolescentes, um deles sendo a personagem que nos narra os fatos. O
mais terrível é que muitas das vítimas vão para o cadafalso sabendo o que os
espera com um misto de curiosidade e de “tesão”.
O ator/ventríloquo Jonathan Capdevielle
encarrega-se da difícil função de dar vida a essas personagens asquerosas e o
faz com imenso talento. Espetáculo barra pesada do qual saímos com um gosto
amargo na boca. Texto de Dennis Cooper baseado em história real com direção de
Gisèle Vienne que também assina a encenação que abriu o evento (Multidão
3. FARM FATALE – Bela fábula sobre o fim dos tempos.
Os espantalhos foram criados pelos homens
para espantar corvos e outros pássaros das plantações. Mas não há mais homens,
nem pássaros. Restou para eles ouvir com melancolia as gravações dos cantos (ou
falas?) das aves e sentir saudades de um mundo que acabou. Tudo ali é inóspito
como um fardo de feno.
Tudo? Não. Parece que há uma única
abelha que é brindada com uma performance de Stand By Me e muitos ovos
luminosos. Sinais de vida que parecem sofrer ameaças que vêm da vizinhança.
Farm Fatale é uma potente fábula
apocalíptica que encerra de forma espero que não profética esta MITsp, manchada
pela presença dessa pandemia do corona vírus.
Resta dizer que o espetáculo da Müncher
Kammerspiel concebido e dirigido por Philippe Quesne é primoroso no que diz
respeito ao figurino, máscara e vocalização dos atores, além é claro do
importante tema tratado.
4. BY HEART – Simpático e poético trabalho capitaneado
pelo carismático encenador português Tiago Rodrigues.
Aprendemos desde crianças que decorar é uma
coisa chata: decorar um ponto de história, a tabela periódica dos elementos, as
leis da Física, a demonstração de um teorema ou ainda um texto teatral. Tiago
Rodrigues, ator, diretor e dramaturgo português, artista em foco da 7ª MITsp,
resgata o significado do verbo decorar no que ele tem de mais belo e poético:
guardar na memória “de coração”, com toda emoção e poesia que esse órgão
representa. Como em nossa língua “saber de cor”, virou sinônimo de coisa
obrigatória e chata, o autor optou por colocar o título em inglês.
Tiago Rodrigues usa o recurso de
convidar dez pessoas do público para decorar trechos de um soneto de
Shakespeare e durante a apresentação cita vários autores e sua relação com a
avó Cãndida que era uma leitora contumaz. A tese da peça é que o que guardamos
na memória ninguém poderá tirar: “Esses filhos da puta não vão arrancar o que
trago dentro de mim!”, essa é, aproximadamente, a frase que Tiago repete em
certo momento da peça. E para que a memória se perpetue é necessário
compartilhá-la com o maior número de pessoas.
Extremamente simpático e carismático
Tiago Rodrigues conquista seus dez convidados e todo o público presente
oferecendo um trabalho cheio de poesia e de humanidade, verdadeiro antídoto
para o primeiro espetáculo da noite (Jerk).
5. MULTIDÃO – O mais surpreendente deste espetáculo
foi a coreografia quase toda concebida para gestos muito lentos, congelamento
de gestos, tudo perfeitamente sincronizado.
O espetáculo da abertura foi MULTIDÃO da
artista franco-austríaca Gisèle Vienne. Hipnótico, apesar de um pouco longo,
inicia com uma figura adentrando o palco, lembrando o homem pisando na lua. Os
outros elementos entram em seguida com gestos lentíssimos como se fosse um
filme em câmara lenta. Ao som de ritmos de dance music o grupo representa “o
sagrado e o profano” de uma festa techno. Louve-se a difícil coreografia quase
toda baseada nesses gestos lentos que o elenco realiza de maneira precisa e
sincronizada. O chão coberto de terra e certos movimentos coletivos me
remeteram também a A Sagração da Primavera na versão de Pina Bausch.
6. SÁBADO DESCONTRAÍDO – Espetáculo bastante simples na
forma com forte conteúdo social e trilha sonora inusitada executada ao vivo.
Título que soa irônico pelo tema triste e grave
tratado pela atriz Dorothée Munyaneza, nascida em Ruanda e sobrevivente do
massacre ocorrido em seu país durante a guerra civil em 1994. O título remete a
um programa de rádio onde ela ouvia belas canções francesas e norte americanas,
uma das últimas lembranças boas que ela traz daqueles tempos tenebrosos.
Dorothée é uma atriz potente e é bem acompanhada por Nadia Beugré que em
expressivas evoluções corporais ilustra o relato e por Kamal Hamadache que cria
a inusitada trilha sonora em cena. Ao final, em tom desafiador é perguntado ao
público “Onde você estava no dia 09 de abril de 1994?” e todos saem do teatro
refletindo porque quem é que já não teve o seu “dia 09 de abril de 1994”?
7. TENHA CUIDADO – Simpática intervenção da artista indiana,
talvez o espetáculo mais feminista desta MITsp.
Foi muito significativo assistir a este
espetáculo no Dia Internacional da Mulher .
Com muita graça e uma simpática interação com a plateia a atriz indiana Mallika
Taneja fala sobre assédio, preconceito e
violência contra a mulher. Rebate com vigor e ironia a tese machista muito
presente também por aqui de que “a culpa é dela, quem mandou sair com essa
roupa provocadora?”. Iniciando o espetáculo completamente nua, a atriz vai se
cobrindo de dezenas de roupas, até terminar com o rosto coberto e um capacete na cabeça: “Agora eu não corro
mais perigo”, são suas últimas palavras. Recado curto e grosso para os machões
de plantão!
8. TU AMARÁS. Tema interessante tratado com dramaturgia,
no meu modo de ver, equivocada.
O prólogo desta peça é interessante, mas
perigoso, pois fala diretamente do preconceito e perseguição aos índios do
Chile embora aquele representante dos índios pratique algo condenável como a
zoofilia. Nas cenas seguintes, um grupo de médicos que prepara uma conferência
sobre o preconceito revela-se bastante preconceituoso em relação aos Amenitas,
extraterrestres que agora habitam nosso planeta. Por que esse recurso
dramatúrgico usando alienígenas como metáfora? Os “outros” podem ser quaisquer
grupos perseguidos em nossa sociedade: mulheres, negros, índios, homossexuais,
travestis. Para que “amenitas”? A imagem não me convenceu e isso prejudicou uma
maior fruição da obra. Transitando em cenário pouco adequado para o palco italiano,
o elenco cumpre seus papeis adequadamente.
9. ORLANDO – Só uma bela instalação.
Trata-se de uma instalação, por sinal, uma
bela instalação com meia dúzia de personagens projetadas em telões; elas se
movimentam de forma muito lenta e de tempos em tempos mudam de paisagem e de
telão. Como numa exposição é algo para ser contemplado no tempo de cada
receptor, que se retira após o seu tempo de fruição da obra.
Mas aqui, somos de alguma maneira,
“obrigados” a acompanhar a instalação por longos e intermináveis 50 minutos. A
meu modo de ver é pretensioso e errado chamar o espetáculo de ópera-instalação,
além disso, não vi vestígios da obra de Virginia Woolf nem da questão de gênero
e identidade, conforme descrito na divulgação do trabalho.
10. O QUE FAZER DAQUI PARA TRÁS – O espetáculo da
Mostra que menos me tocou.
Talvez eu não esteja preparado, mas pelo que
eu entendi na saída, muitos de nós talvez não estejam preparados. Houve quem
riu muito e aplaudiu de pé, houve até quem gritasse “Uuuuuhhh!!”. Pessoalmente
achei pura perda de tempo ficar sentado por uma hora vendo aquele pessoal
entrar correndo, dizer uma ou outra coisa ao microfone e sair correndo. As
presenças no palco devem ter durado menos de meia hora e o resto do tempo foi o
palco vazio nos intervalos entre a saída de um e a entrada de outro. Para quê?
Para andar para trás?
Essa frustrante experiência me fez
lembrar outra ocorrida no ano passado no mesmo Teatro Cacilda Becker dentro da
MITsp 2019, quando perdi mais de quatro horas debaixo de chuva entre idas e vindas
para assistir a A BOBA. Pelo menos hoje não choveu e o céu está lindo com a
super lua.
Sua proposta, tão clara na sinopse, no
palco absolutamente não me atingiu, João Fiadeiro.
Esperemos
que esses tempos sombrios logo nos abandonem e que estejamos belos, formosos e
saudáveis por ocasião da 8ª MITsp de 2021. Obrigado por tudo Tó e Guilherme!
VALEU!
O TEATRO NOS UNE,
O TEATRO NOS TORNA FORTE,
VIVA O TEATRO!!
16/03/2020