Tive
que me afastar do MIRADA por cinco dias por conta de uma cirurgia urgente que
minha netinha Laura teve que se submeter em São Paulo. Voltei para Santos na
quinta feira, 15 de setembro, ansioso para assistir ao espetáculo da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz que aconteceria à tarde na
Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande situada na ilha defronte ao Canal 7 (Ponta
da Praia). O dia nublado e a possibilidade de ressaca me deixaram apreensivo em
relação à realização do espetáculo. Durante a tarde o tempo foi melhorando, o
céu azulando e quando chegamos ao ponto de encontro vislumbrava-se uma das
tardes mais lindas que já presenciei em toda minha vida. De um lado o por do sol
por detrás dos prédios santistas, a silhueta dourada pelo sol do barco que nos
levaria à fortaleza que se avistava imponente ao fundo.
Do
outro lado o horizonte anoitecendo e uma linda lua cheia enfeitando o céu.
Na
curta navegação um ator que se misturava entre o público fez uma breve
introdução do que iria se assistir. Desembarque na ilha vendo-se uma mulher
sentada nas rochas, provavelmente à espera que o mar lhe restitua o corpo do
ente querido desaparecido nas masmorras da ditadura de alguma república sul
americana. O público percorre tortuoso caminho de pedras para acompanhar as
desventuras dessas mulheres destituídas de seus companheiros.
O
espetáculo tem a marca registrada do grupo gaúcho unindo e harmonizando forte conteúdo
político com forma lúdica (os belos figurinos, as cenas majestosas como aquela
do banho de milho e a final com os cadáveres nus jazendo sobre as rochas). Nem
tudo é pesado no espetáculo e o público tem direito a uma festa com danças
típicas bolivianas e com distribuição de pão e vinho numa linda cena de
comunhão. O texto de criação coletiva é inspirado na obra de mesmo nome do escritor chileno Ariel Dorfman.
Tânia
Farias é nome que precisa urgentemente ser mais conhecido pelo público
paulistano. Trata-se de uma das maiores atrizes deste país. Sua aparência
frágil esconde vigor e energia poucas vezes vistos em nossos palcos. Tânia não
se vale de nenhum estrelismo, mas seu brilho é poderoso e suas intervenções
como a protagonista Sofia são marcantes e desviam o olhar do espectador para a
sua figura. Esta atuação só confirma seu imenso talento já testemunhado por mim
em Kassandra in Process e O Amargo Santo da Purificação.
Alguém
disse que o belíssimo cenário natural ajudou na fruição do espetáculo, mas esse
cenário é parte intrínseca da montagem como foi aquele de Porto Alegre
navegando pelo Rio Guaíba até chegar nas ruínas da ilha para onde iam os presos
políticos durante o regime militar e como será qualquer outro onde Viúvas seja apresentado. A noite
belíssima emoldurou a cena, mas numa noite cavernosa como foi a do dia seguinte
a cena deve ter adquirido nova conotação e aí está a magia do teatro itinerante
feito ao ar livre.
Terminada
a densa experiência o público literalmente embevecido com tanto conteúdo e
tanta beleza é direcionado em silêncio para o barco ávido de aplaudir trabalho
tão marcante. A oportunidade surge quando o barco parte e pode-se ver os atores
na fortaleza com tochas acesas acenando. Aplausos intensos e emocionados.
Catarse total, quer os brechtianos radicais queiram ou não.
Assisti
a apenas oito espetáculos no MIRADA (devo assistir a mais alguns na Extensão Mirada que se realiza nas
unidades do Sesc em São Paulo, mas posso afirmar que Viúvas foi um dos melhores, senão o melhor a que assisti.
Outro
espetáculo itinerante bastante marcante foi Fugit
do grupo catalão Kamchàtka exigindo
muito do público tanto física como emocionalmente. A peça sem palavras acompanha
a fuga de pessoas de países em guerra que tentam imigrar para países onde esperam
ter melhores condições de vida. O percurso da fuga é longo e perigoso e o
público assume junto com os atores o papel de fugitivo, correndo, se
escondendo, perdendo passaporte e finalmente abraçando os conterrâneos ao
chegar na “terra dos sonhos distantes”. Muito digno e atual.
Longa
vida ao MIRADA. Aguardando 2018. Obrigado Sesc.
19/09/2016