Contrariando a máxima de Nelson Rodrigues, Cais ou Da Indiferença das Embarcações é
um verdadeiro fenômeno (nada burro) de unanimidade. Não há quem não se envolva e
não se comova com a saga das três gerações de habitantes de Ilha Grande
retratada no delicado espetáculo em cartaz há um ano (com algumas interrupções)
no Instituto Capobianco. Com o elenco original e com apresentações aos sábados
e domingos às 20h a melhor peça do ano fica em cartaz até 15 de dezembro.
A pequena (são apenas 30 lugares) e privilegiada plateia
compartilha durante três horas (que passam voando) as venturas e desventuras de
personagens marcantes e inesquecíveis como Magnolia, Nilmar, Waldeci, Bonifácio,
Berenice, Walcimar, Walciano, Juciara, Cachorrinho, Ozório e, é claro, o barco
Sargento Evilázio e a boia Roseméri . Tudo isso ao som de uma verdadeira joia
que é a trilha sonora de Umanto que pontua e realça toda a encenação sem
encobri-la em nenhum momento. As músicas cantadas pelo elenco são também
bastante pertinentes ao tema (o mar, o cais).
Marco Aurélio Campos e Patrícia Gordo
Já fiz muitos elogios a esse espetáculo (a que assisti ontem
pela quinta vez) que fico até incomodado em fazê-lo mais uma vez, mas quero dedicar
algumas palavras a três atores que por razões diversas não citei em outras
ocasiões: Marcelo Larotti está perfeito como Nilmar e sente-se a sua falta no
segundo ato (assim como a de Virginia Buckowski), Patrícia Gordo (Juciara) e
Marco Aurélio Campos (Walciano) que cresceram muito durante a temporada e agora
deixam o elenco homogêneo e digno de um prêmio coletivo de interpretação.
Poucas vezes fui testemunha de elenco tão coeso e que cumpre seu trabalho com
tanto amor e crença de que está realizando um grande serviço ao espectador e ao
teatro brasileiro.
Kiko Marques escreveu um texto poético e belo e o dirigiu
com rara competência, além de ser um ótimo ator. Enfim: texto, direção,
interpretação, cenário, música; tudo em Cais
funciona harmonicamente. O boca a boca tem lotado todas as sessões e os
aplausos calorosos e comovidos são uma prova de sua força. É uma lástima que
espetáculo desse quilate fique restrito a um pequeno público. Tenho certeza que
a Ariane Mnouchkine iria adorá-lo!
Prometo que não volto a escrever sobre Cais, mas não vou jurar que não vou revê-lo pela sexta vez. No dia
em que a temporada encerrar para onde irão essas personagens tão queridas? A
efemeridade do teatro as levará ao esquecimento? No meu coração de espectador
elas vão viver para sempre.