Relato crítico-poético de uma noite mágica
Zé
Vicente (1945-2007) morava em Londres com Antonio Bivar em 1970 quando recebeu
carta de seu irmão Messias relatando a morte de seu pai Pedro. A emocionada resposta
a essa carta para sua mãe Júlia é gênese de sua peça Hoje É Dia de Rock que consiste de memórias familiares com
personagens inspirados nos pais e nos irmãos banhadas com o realismo fantástico
de Gabriel García Marquez e as ideias de Carlos Castañeda (a personagem Inca).
A peça teve uma montagem considerada clássica
em 1971 no Rio de Janeiro dirigida e interpretada por Rubens Corrêa e outra em
São Paulo em 1973 dirigida por
Emílio Di Biasi com Raul Cortez e elenco com nomes de enorme talento, mas que
não teve repercussão semelhante à carioca.
Quase
50 depois, Gabriel Villela revisita essa bela obra de Zé Vicente em produção do
Teatro de Comédia do Paraná com
elenco formado por atores da cena curitibana. O ambiente mineiro sugerido pelo
texto está garantido pelo estilo inconfundível do encenador, pelos figurinos e
cenários também assinados por ele e pela sugestiva inclusão de canções do Clube da Esquina que permeiam toda a
ação da peça. O excepcional jovem elenco liderado pela grande atriz Rosana
Stavis interpreta, canta e dança aquilo que Zé Vicente criou. Fica difícil destacar
esta ou outra interpretação haja vista a homogeneidade do elenco, mas arrisco
lembrar os trabalhos de Helena Tezza como Isabel, de Nathan Milléo Gualda como
a suave e doce Rosario, de Evandro Santiago como o narrador, de Rodrigo
Ferrarini como Pedro e da poderosa Rosana Stavis como a mãe Adélia.
Existem
alguns momentos da vida em que uma conjunção de fatos gera fato maior, digno de
entrar na história pessoal de alguém. Na noite de ontem, graças ao meu amigo
Haroldo Ferrari fui agraciado por um desses momentos.
Já
conformado com a impossibilidade de assistir à montagem que Gabriel Villela fez
da obra de José Vicente no Sesc Paulista (apenas quatro apresentações em espaço
com 50 lugares com ingressos esgotados) fui surpreendido com telefonema de
Haroldo me informando que eu era convidado dos familiares de Zé Vicente, para
assistir à peça na noite de estreia.
Eu, Mariana, Maria Antônia, Vitória e Áldice Lopes (produtor)
Assisti
à peça ao lado do cunhado Osmar, da sobrinha Mariana e das irmãs Vitória e Maria
Antônia (retratada na peça na personagem Isabel). Maria Antônia, sentada ao meu
lado, em muitos momentos me cutucava emocionada com lágrimas nos olhos e
sussurrava “Foi assim mesmo!”. Esse momento de conviver de maneira tão próxima
com realidade e ficção pode ser considerado um dos mais sublimes da minha longa
vivência como espectador: emoções provocadas pelo texto e pela excepcional
montagem de Villela embaladas e alimentadas pela presença ao meu lado de alguém
que inspirou personagem da peça.
Por
cortesia e com permissão de Maria Antônia reproduzo abaixo foto da família de
Zé Vicente com os nomes de cada um e entre parênteses os nomes das personagens
por eles inspiradas na peça: no alto, João (Quincas), o irmão mais velho.
Segunda fileira, da esquerda para a direita: José Vicente (Valente); Maria, a
irmã cega (Rosario); Cida; Messias (Davi). Terceira fileira, da esquerda para a
direita: Maria Antônia (Isabel); Pedro, o pai (Pedro Fogueteiro); Vitória; Júlia,
a mãe (Adélia) e Bartolomeu. Foto tirada em São Sebastião do Paraíso, MG, nos
anos 1950.
Noite
mágica de 10 de maio de 2018.
ONTEM
FOI DIA DE ROCK!
P.S. São Paulo não pode ficar limitada a essa temporada relâmpago onde apenas 200 privilegiados espectadores tiveram a oportunidade de assistir a este belo espetáculo. Urge que o Sesc e/ou outras entidades culturais os tragam de volta para uma temporada mais longa.
11/05/2018