Estamos
no fim de junho. Muita água passou debaixo da ponte neste quase sinistro primeiro
semestre onde fomos testemunhas de todos os cambalachos vindos de Brasília e de
onde quer que se tenha políticos. No meio dessa crise política, econômica e
social o teatro sobrevive. A duras penas, mas sobrevive. A 3ª MITsp mesmo
reduzida apresentou espetáculos de alto padrão e o Festival de Curitiba
apresentou uma bem vinda reestruturação com o mérito de destacar o alto nível
dos espetáculos e intérpretes curitibanos.
O
palco paulistano apresentou uma significativa quantidade de espetáculos
surpreendentes, sendo que boa parte deles foi alvo de matérias deste blog.
Infelizmente nem sempre há tempo hábil para escrever sobre todos os espetáculos
que, ao meu modo de ver, revestem-se de notabilidade. Menciono, a seguir, quais
foram para mim esses espetáculos que não foram alvo de matéria específica, na
ordem em que os assisti:
TEOREMA
XXI – do Grupo XIX de Teatro.
Espetáculo violento com dramaturgia de Alexandre Dal Farra inspirada no filme Teorema de Pasolini. Ótimos atores com
destaque para Juliana Sanches e Ronaldo Serruya. A encenação de Luiz Fernando
Marques é ambientada nas ruínas de um prédio da Vila Maria Zélia.
PESSOAS
SUBLIMES – do Grupo Satyros.
Marca registrada do grupo com autoria de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez e
direção do último. Foi a última aparição da saudosa Phaedra de Córdoba no palco
do Satyros. Belos monólogos interpretados por Helena Ignez e a presença
marcante de Fernanda D’Umbra estavam entre os melhores momentos do espetáculo.
NOSSA
CLASSE – do Núcleo de Teatro
Experimental. A remontagem desse texto de Tadeusz Sobodzianek dirigida por
Zé Henrique de Paula só confirmou as qualidades do mesmo e a excelência do
jovem elenco.
A
TRAGÉDIA LATINO AMERICANA – Após os vários Puzzles, Felipe Hirsch junto com o grupo Ultralíricos realizou esta criativa junção de textos e músicas de
autores latinos americanos tratando de assuntos atuais. A “carta do PVC”
(Reinaldo Moraes) interpretada por Caco Ciocler e a “transformação de osso
humano em ouro” (Lima Barreto) por Magali Biff per si justificariam o engajado
espetáculo. Cabe lembrar o criativo cenário de Daniela Thomas e Felipe Tassara
constituído por blocos de isopor que os atores manipulam e mudam de lugar
durante toda a peça remetendo às rochas que Sísifo carregava.
AS
CEREJAS – do Club Noir. Peça
densa e intimista com belíssima iluminação do diretor Roberto Alvim e um grande
ator em cena (Alexandre Leal)
PROCESSO
DE CONSCERTO DO DESEJO - Lírico e intimista onde o sempre talentoso
Matheus Nachtergaele interpreta poemas escritos por sua mãe Maria Cecília que
se suicidou quando ele tinha três meses de idade.
NA
SELVA DAS CIDADES–EM OBRAS – da Mundana
Companhia. O jovem Brecht pelo olhar
lúcido e criativo de Cibele Forjaz com interpretações vigorosas de Aury Porto e
Lee Taylor.
GARRINCHA
- Musical de primeira com dramaturgia do norte americano Darryl Pinckney a
partir de flashes da vida do jogador e músicas brasileiras de excelente
qualidade criadas em processo colaborativo pelo elenco e pelos músicos que as
executam ao vivo. Bob Wilson criou uma festa colorida resgatando o clima das
revistas e das chanchadas da Atlântida, colírio para os olhos e bálsamo para a
mente, nesses tempos de Brasil tão cinzento.
CIDADE
VODU – do Teatro dos Narradores.
O épico dirigido por José Fernando Azevedo mostra a saga dos negros desde a
partida da África em navios negreiros, passando pelas agruras no Haiti até a
sua chegada ao Brasil. Encenado nas ruínas da Vila Itororó o espetáculo tem
momentos belos, mas violentos. Uma parada para sopa, danças e canções haitianas
é momento de trégua na demonstração da violência sofrida pelos negros. O elenco é formado por atores brasileiros e
haitianos. Apesar de exagerar nas “risadinhas” sarcásticas, o ator Renan Tenca
Trindade que faz o narrador da história tem desempenho digno de nota.
UM,
DEZ, CEM MIL INIMIGOS DO POVO – da Companhia
da Revista. Cássio Pires em
processo colaborativo com o grupo transforma o drama de Ibsen em musical com
excelentes canções compostas por Ricardo Severo. Kleber Montanheiro manteve a
ação na Noruega, mas há muitas referências ao Brasil de hoje. Com a exceção do
protagonista (Dr. Stockmann em composição de Daniela Flor) todas as outras
personagens vestem máscaras criadas pelo encenador que remetem àquelas do
alemão Wilhelm Busch para as travessuras de Juca e Chico (Max e Moritz, no
original). A cenografia também assinada por Montanheiro ocupa os 360 graus do
teatro. Ainda em cartaz.
ACORDA
PRA CUSPIR – O corrosivo e politicamente incorreto texto do norte
americano Eric Bogosian recebe ótima interpretação do versátil e simpático
Marcos Vera com direção segura de Daniel Herz. Ainda em cartaz.
RAINHAS
DO ORINOCO – Espetáculo típico de Gabriel Villela com muito colorido,
visual exuberante e músicas singelas do cancioneiro popular, a partir do texto
do mexicano Emilio Carballido. Veículo para as interpretações histriônicas de
Walderez de Barros e Luciana Carnieli, esta última é responsável pelos momentos
mais engraçados da peça. Boa participação de Dagoberto Feliz que acompanha
musicalmente as duas atrizes. Ainda em cartaz.
O
GRANDE INQUISIDOR – Poderosa interpretação de Celso Frateschi para a
personagem de Dostoievski que faz parte do romance Os Irmãos Karamazov. Direção enxuta de Roberto Lage. Ainda em
cartaz.
O PÃO
E A PEDRA – da Companhia do Latão.
O espetáculo didático/épico de Sergio Carvalho sobre a greve de 1979 no ABC tem
o grande mérito de tomar partido sem ser panfletário e mostrando sempre os dois
lados dos fatos. A luta operária é mesclada com questões pessoais das
personagens. A encenação é recheada de canções didáticas (Viva Brecht!)
escritas por Lincoln Antonio que as executa ao vivo.
SAMBRA
– O MUSICAL- 100 ANOS DE SAMBA – Saborosa montagem de Gustavo Gasparani
contando a história do samba na perspectiva carioca. Bem feito, honesto e
gostoso de ver.
CHUVA,
NÃO. TEMPESTADE! – Texto interessante de Franz Kepler fazendo as duas
personagens externarem seus pensamentos em voz alta. Natalia Gonsales tem excelente
presença cênica. A direção de Rafael Primot se vale da cenografia e da
iluminação da sempre competente Marisa Bentivegna. Ainda em cartaz.
MENTE
MENTIRA – O incansável Mateus Monteiro estreia na direção com o pé direito
ao escolher o brilhante texto de Sam Shepard que retrata o que acontece a
partir da briga de um casal que pertence a duas famílias desestruturadas e que
se destroem ainda mais a partir da tal briga. Elenco jovem e talentoso com destaque
para Fafá Rennó e Vivian Bartocco que interpretam as duas patéticas mães e para
Lucas Romano que faz o irmão do marido agressor. Ator extremamente versátil e
talentoso, Daniel Costa exagera na caricatura ao compor o pai da esposa
agredida. O cenário de Kleber Montanheiro, simples, mas muito prático e eficiente
é formado por blocos de madeira que são manipulados pelos atores nas mudanças
de cena. Efeitos sonoros à base de percussão fazem a interligação entre as
cenas que se passam ora na casa de uma família, ora na casa da outra. Trata-se
de produção modesta, mas correta e com bons resultados, realizada por jovens
que são o futuro do nosso teatro. Ainda em cartaz.
RÉQUIEM
PARA UM AMIGO DA MULTIDÃO – Não se trata de espetáculo biográfico, mas
de homenagem a Flávio império, um dos mais criativos cenógrafos que nosso teatro
já teve. Nei Gomes apresenta momentos da vida do homenageado intercalados com
situações imaginadas e supostas falas de quem esteve muito próximo a ele como
Cacilda Becker, Walmor Chagas e, principalmente, sua grande amiga Myrian Muniz.
Onírico como a obra de Flávio. Ainda em cartaz.
23/06/2016