segunda-feira, 30 de setembro de 2024

CORTE SECO

 

Conforme indica o título, o texto de Marcelo Oriani é um corte seco sem concessões em um assunto escabroso e grave que ocorre com maior frequência do que se imagina que é o abuso sexual infantil, praticado, na maioria das vezes, dentro de casa, por um amigo da família, ou um tio, ou o avô ou até o próprio pai da criança.

Claudia Schapira ao traduzir cenicamente tema tão difícil, o fez com uma beleza e um equilíbrio dignos de nota. Sua direção harmoniza a potente trilha sonora (Dani Nega), os excelentes efeitos de luz criados por Rodrigo Palmieri, a cenografia clean de Juliana Fernandes, os figurinos de Rosângela Ribeiro, a preparação vocal realizada por Sandra X e a fantástica preparação corporal e direção de movimento (Luaa Gabanini) das atrizes que circulam pelo espaço em sincronia e com gestual impressionante. Tudo isso a serviço da atuação das três atrizes (Camila Fernandes, Nandda Oliveira e Raquel Domingues) que interpretam visceralmente os vários personagens da peça.


 Esse equilíbrio entre todos elementos de uma encenação é o que para mim demonstra que uma direção foi bem sucedida.

A ficha técnica indica também Dani Hell (Live-DJ) e Eliana Monteiro na provocação cênica.

O autor é enfático ao escrever no programa: “Eu gostaria que essa peça não existisse, mas, se ela existe, é porque o assunto sobre o qual ela trata ainda existe”.

Tão grave quando o abuso é o silêncio daqueles (mães normalmente) que convivem com ele.

- O que aconteceu com você não é visível

- E se não é visível é como se nunca tivesse existido

E a criança convive com o trauma silenciosamente, muitas vezes até carregando um sentimento de culpa.

CORTE SECO precisa ser visto e divulgado. 

Em curta temporada no Centro Cultural São Paulo às quintas e sextas às 21h e aos sábados e domingos às 17h e 19h

ALERTA DA PRODUÇÃO:: nessa última semana não haverá sessões no domingo, por conta das eleições. As próximas sessões serão: quinta às 21h, sexta e sábado às 19h e as 21h.

 

30/09/2024

domingo, 29 de setembro de 2024

PARA MARIELA

 


 

O Sobrevento reinventa os tempos de delicadeza 

Parafraseando o Seu Bertolt: Eu vivo nas cidades nos tempos de guerra, insegurança e violência. Eu vivo num tempo sem sol.

As pessoas andam tristes, cabisbaixas e olhando para o próprio umbigo em um individualismo assustador.

Mais ou menos nesse estado de espírito percorrendo de Uber essa cidade da qual restará apenas o vento que por ela perpassa (olha o Brecht de novo) chega-se ao aconchegante Espaço Sobrevento que fica muito perto do tenebroso templo de Salomão.

Crianças circulam brincando na frente do teatro e um público bastante simples aguarda o início do espetáculo Para Mariela, concebido, dirigido e interpretado pelo casal fundador do grupo há 38 anos, Sandra Vargas e Luiz André Cherubini.

O espaço cênico foi reformulado para o espetáculo: a plateia fica em volta de uma plataforma retangular coberta de areia que será o cenário do espetáculo.

Os atores vestindo macacões, no bolso dos quais vão tirando objetos que farão parte da cena, iniciam histórias que rememoram a infância passada na zona rural de um país. Boa parte dessas histórias foi recolhida pelo grupo com as crianças bolivianas que moram nas imediações do teatro. Ao formatar casinhas com a areia da plataforma eles vão construindo uma cidade em clima que lembra uma atmosfera tchekoviana com longos silêncios e gestos lentos. Cabe notar que a grande quantidade de crianças presentes acompanha as cenas com muita atenção e em silêncio.

Os mais variados objetos vão surgindo em cena, material extremamente lúdico cuja manipulação é uma característica do teatro de objetos do Sobrevento.

Em clima nostálgico um homem comenta sobre a vontade de ver o mar que inexiste na Bolívia, o grupo canta uma canção enquanto há um desfile de objetos que podem ser encontrados no mar.

De repente, explode uma canção boliviana que vira o jogo do clima silencioso e meditativo para um clima de festa com desfile de máscaras e tipos do folclore bolivariano. A participação das crianças da plateia é a coisa mais emocionante desse momento que cada um de nós sente um lampejo de esperança no futuro.

Certas cenas da peça me lembraram o bonito texto de Eduardo Galeano sobre um menino que não conhecia o mar e foi com o pai até ele. Ao chegar o menino deslumbrado com aquela magnitude e beleza olhou para o pai e disse: “Por favor pai, me ajude a olhar.” E é isso que o espetáculo faz, nos ajuda a sentir a vida com mais paciência e mais esperança. Viva o Sobrevento! 

PARA MARIELA está em cartaz de sexta a segunda às 20h até 14 de outubro. Ingressos grátis - reservas no email: info@sobrevento.com.br 

29/09/2024

 

 

sábado, 28 de setembro de 2024

TRÊS GRANDES ATRIZES NOS PALCOS PAULISTANOS

 

Introdução talvez inútil 

Fiz uma pesquisa recentemente e constatei como a presença feminina é preponderante nos palcos brasileiros.

Tendo como parâmetro aquilo que considero uma grande atriz (talento, presença, versatilidade, personalidade) levantei o nome daquelas nascidas no século XX. Cheguei a 71 nomes e provavelmente alguns outros devem ter me escapado. Usando o mesmo critério para os atores cheguei a pouco mais que uma dezena.

As atrizes nascidas nas duas primeiras décadas do século já partiram, mas daquelas nascidas na década de 1920 ainda temos a presença forte de Laura Cardoso, Fernanda Montenegro, Nathália Timberg e Monah Delacy.

A década de 1930 foi pródiga em trazer ao mundo grandes atrizes (19), infelizmente a grande maioria já partiu restando apenas Miriam Mehler e Suely Franco.

Da década de 1940 (8) temos as presenças de Walderez de Barros, Irene Ravache, Renata Sorrah e Juliana Carneiro Cunha.

Da década de 1950 em diante todas estão vivíssimas e brilhando em nossos teatros.

Mais três grandes momentos femininos nos palcos 

Neste ano de 2024 já tivemos grandes interpretações femininas, basta lembrar de Rafaela Azevedo (King Kong Fran), Luciana Ramanzini (Codinome Daniel), Mel Lisboa (Rita Lee), Noemi Marinho (O Vazio da Mala), Debora Duboc (Glauce), Guida Vianna e Silvia Buarque (A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe), Lindsay Castro Lima (Petra), Fafá Rennó e Carla Salle (Shakespeare Apaixonado).

Chego finalmente à razão desta matéria: nesta última semana do mês de setembro tivemos três monólogos com interpretações não menos que soberbas de atrizes brasileiras.

PRIMA FACIE

Débora Falabella empresta todo seu talento para a personagem de Tessa, uma advogada que defende acusados de violência sexual que é assediada e estuprada em sua casa por um colega de trabalho. O inconformismo de Tessa explode em cena na interpretação visceral de Débora. A peça foi escrita por uma mulher (Suzie Miller) e dirigida por outra (Yara de Novaes).

Cartaz do Teatro Vivo 

MONGA


Monga revela o talento e a coragem de jovem atriz cearense Jéssica Teixeira de mostrar os preconceitos com sua má formação física por meio da história de uma mulher mexicana, aquela apelidada de Monga (mulher macaco) que teve seu corpo (vivo e depois morto) explorado em circos e exposições por mais de 150 anos. Jéssica é uma grande performer, que canta, dança e interage de forma muito simpática com o público. Além de atuar, Jéssica é autora do texto e assina a direção.

Cartaz do SESC Avenida Paulista

DORA


Sara Antunes convive há algum tempo com a figura de Maria Auxiliadora Lara Barcellos (Dora), mulher destemida. guerrilheira, que pagou com a própria vida os maus tratos sofridos pela truculenta ditadura brasileira. O texto escrito pela atriz baseia-se na correspondência trocada entre Dora e sua mãe. A peça já foi apresentada virtualmente, mas encontra seu lugar certo ao ser encenada ao vivo. Em um verdadeiro tour de force Sara interpreta apaixonadamente Dora e ao mesmo tempo faz toda a complexa contrarregragem exigida pela encenação também assinada pela atriz.

Cartaz do SESC Ipiranga 

VIVA AS GRANDES ATRIZES BRASILEIRAS!

VIVAS O TEATRO! 

28/09/2024

domingo, 15 de setembro de 2024

BALANÇO DO MIRADA 2024

 

        Em onze dias (de 05/09 a 15/09) o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, o popular MIRADA apresentou 33 espetáculos, 20 internacionais e 13 nacionais. Tive a oportunidade de assistir a 14 internacionais e 2 nacionais.

        Comentei todos eles nas matérias que publiquei durante o evento. Resumindo, segue aquilo que em minha opinião foi a principal característica de cada um e a respectiva nota (de 0 a 10)

        - Surpreendente: CRUZADES (Espanha) - 10

        - Gostoso: CABARÉ CORAGEM (Brasil) – 10

- Importante e necessário: YO SOY EL MONSTRUO QUE OS HABLA (Espanha)- 9

        - Vigoroso: MENDONZA (Mexico) – 9

        - Bonito: EL TEATRO ES SUEÑO (Peru) – 9

        - Energético: POPERÓPERA TRANSATLÂNTICA (Brasil) – 8

        - Repetitivo: TIERRA (Uruguai)- 7

        - Perspicaz: G.O.L.P. (Portugal /Chile) - 7

        - Tecnológico: O ESTADO DO MUNDO (Portugal)- 7

        - Morno: ESPERANZA (Peru) – 6

        - Irregular: SOMBRAS POR SUPUESTO (Argentina)– 6

        - Longo: SUBTERRÂNEO (Portugal/Brasil) - 5

        - Sonífero: GRANADA (Chile) - 4

        - Prolixo: QUEMAR EL BOSQUE CONTIGO ADENTRO (Peru) - 3

        - Inexpressivo: EL PRESIDENTE MÁS FELIZ Peru) - 1

        - Menos visto: PALMASOLA (Suíça/Bolívia) – sem avaliação           

        Entenda essas adjetivações lendo as matérias que escrevi sobre os espetáculos.

        Deixei de ver alguns importantes espetáculos muito elogiados por aqueles que os assistiram, são eles: EL RINCÓN DE LOS MUERTOS (Peru), MONGA (Brasil), VILA SOCÓ (Brasil)e    A VELOCIDADE DA LUZ(Argrentina).

        Enquanto São Paulo ardia de calor e de poluição, Santos esteve com céu nublado, clima úmido e temperatura fresca  durante todo o tempo que lá estive. Nem foi possível ver o mar!

        15/09/2024

 

 

ÚLTIMO DIA DO MIRADA: EL PRESIDENTE MÁS FELIZ e SOMBRAS, POR SUPUESTO

 

El PRESIDENTE MÁS FELIZ

        Um espetáculo peruano de dança contemporânea inexpressivo que não deixa claro a que veio e que não tem nada a ver com a sinopse constante no catálogo nem com o título do mesmo.

        A concepção é da coreógrafa Cristina Velarde.

A única coisa boa do espetáculo é a música de Ulisses Quiroz executada ao vivo. 

SOMBRAS.POR SUPUESTO

        Esta peça argentina escrita e dirigida por Romina Paula começa bem, mostrando com boa dose de humor a visita que dois policiais fazem em uma residência para encontrar provas do eventual crime do filho do casal morador. Os questionamentos são feitos por meio de diálogos ágeis e engraçados, mas a partir do momento em que a policial mostra poderes sensitivos a peça perde a graça e a dramaturgia emperra numa longa verborragia. Uma pena porque temos um quarteto de bons atores e boas atrizes defendendo o texto.

        A peça padece de um problema muito comum também no teatro brasileiro: um bom mote dá origem a uma dramaturgia que começa bem, mas se perde ao longo do caminho e termina mal.

        Tal qual a dramaturgia, o MIRADA não teve o último, como um dos seus melhores dias. Na verdade este foi o penúltimo dia, mas não há mais estreia e aqui me despeço desse grande evento.

        15/09/2024

sábado, 14 de setembro de 2024

MIRADA 9 - MEXA E SERGIO BLANCO

 

 

POPERÓPERA TRANSTLÂNTICA

        Uma deliciosa revista musical do Grupo Mexa de São Paulo comandada com muito brilho por Ivana. Todos interpretam, todos cantam, todos dançam, todos brilham.

        Ivana tem presença magnética em cena, com seu porte altivo e poderosa voz e o elenco tem garra e energia para acompanha-la.

        A Odisseia e a volta de Ulisses para Ítaca são mero pretexto para cada um fazer seu solo e depois brilhar no conjunto.

        Puro entretenimento, muito necessário para os dias de hoje.

        Noto que usei a palavra “brilho” três vezes neste curto texto. Não faz mal, o espetáculo merece!


TIERRA 

         Como admirador da obra e do estilo do dramaturgo/diretor uruguaio Sergio Blanco me incomoda concluir que ele está se repetindo.

O trabalho é bom, mas já não surpreende. É a utilização da mesma formula dos bem sucedidos espetáculos anteriores, em especial do insuperável O Bramido de Dusseldorf.

Mais uma vez Sergio é personagem da peça interpretado por um ator, misturando realidade (a morte da mãe) com ficção, na chamada auto ficção; a peça inicia e é permeada com canções cantadas em inglês e o elenco em vários momentos refere-se a cenas já apresentadas em exercício de meta linguagem. Tudo isso é interessante, mas não instigante porque já apareceu em quase todas as outras peças de Blanco e a receita parece estar se esgotando.

A trama se arrasta por três atos onde surgem os encontros do autor com seus entrevistados.

Após essas ressalvas cabe elogiar o ótimo elenco (Sebastián Serantes compõem um excelente Sergio Blanco e conduz a cena em grande estilo), a produção bem cuidada pode ser notada no cenário que reproduz o chão de uma quadra de esportes e na luz, ambos de Laura Leifert e Sebastião Marrero.

Alguns espectadores justificaram não ter apreciado a peça por não conhecer a obra de Sergio Blanco; acredito que seja exatamente o contrário: quem conhece a obra do autor é que nota a repetição tanto na forma como no conteúdo, gerando um desagradável sentimento de dejá vu. 

14/09/2024

 

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

PALMASOLA

 


A PALMASOLA QUE EU NÂO VI

ou

A VOLTA DE QUEM NÃO FOI

ou

A CORAJOSA FUGA DE PALMASOLA

Palmasola, situada em Santa Cruz de la Sierra, é a maior prisão da Bolívia e é para lá que é levado um jovem que é flagrado pela polícia com cápsulas de cocaína no estômago, ingeridas para posterior transporte para a Europa.

A vida dos presidiários nessa prisão é o mote desse espetáculo do grupo suíço KLARA.

Para dar maior realismo à apresentação na bela Casa da Frontaria Azulejada de Santos, ela foi tornada mais feia com boa parte das paredes cobertas com folhas de zinco e com iluminação beirando a penumbra.

Faz parte da convenção da peça que o público seja tratado como presidiário, caminhando por todo o espaço sem se sentar durante a hora e meia de duração da peça.

Com minha mobilidade reduzida e caminhando com alguma dificuldade com auxílio de uma bengala pensei em desistir antes de adentrar o espaço cênico, mas incentivado por alguns amigos resolvi tentar.

O pessoal do SESC disse que me daria todo apoio que fosse necessário.

Um guarda truculento (personagem) organizou a fila aos berros e após carimbar uma identificação no braço de cada um, fez o público entrar se confinando em uma pequena sala; ali fiquei sabendo que uma senhora do SESC me acompanharia durante todo o trajeto. Nas cenas paradas eu ficaria sentado numa cadeira e no percurso itinerante ela zelaria por mim e carregaria a cadeira até a próxima parada. Nesse salão acontece a cena em que o homem/mula conta como foi parar em Palmasola.

Uma enorme porta de zinco é aberta a seguir e nós, os presidiários, somos conduzidos para um ambiente mais escuro e nesse pequeno trajeto já tropecei. Conclui, talvez tardiamente, que ali não era lugar pra mim. Precisava fugir daquela cadeia, mas como fazê-lo já que eu era um detento sob o olhar dos vigilantes?

A minha acompanhante/carcereira insistia para que eu ficasse, mas achei um jeito de fugir. Uma vez na rua, respirei a minha liberdade e com o suporte da minha bengala caminhei até os Arcos do Valongo onde uma van do SESC me trouxe de volta a segurança (quase) perdida em Palmasola.

Quero deixar claro que não reprovo a maneira da condução do espetáculo; já assisti a muitos espetáculos itinerantes/interativos com ótimos resultados e tudo indica que esse também é o caso deste Palmasola. Sai nos primeiros momentos por duas razões: o medo de cair e para não atrapalhar o clima da peça com uma cadeira circulando no meio das cenas.

Agradeço a atenção do pessoal do SESC procurando ao máximo me apoiar e dar proteção, mas esse espetáculo não é indicado para um octogenário com mobilidade reduzida no momento.  Estava no lugar errado. 

13/09/2024

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

CRUZADES

 


Estalar de dedos, sons de percussão executados ao vivo por Julien Achiary e uma melodia melancólica cantada por um homem, são os únicos elementos que formam a trilha sonora para a instigante coreografia contemporânea criada e dançada por Jon Maya e Adriana Bilbao. Os sons do espetáculo se completam com o estonteante sapateado da Adriana.

A formação de Jon é em dança basca e Adriana é dançarina do flamenco tradicional.

Ambos usam elementos de suas danças de origem para criar algo totalmente novo e revolucionário. Não tenho palavras para descrever aquilo que que testemunhei no palco do Teatro Guarany boquiaberto e com a adrenalina a mil.

O espetáculo inicia com solos de cada um dos artistas e se completa com um magnífico pas de deux de tirar o fôlego do mais insensível dos mortais.

QUEM VIU, VIU! 

11/09/2024

 

MIRADA 6: MENDONZA e G.O.L.P.

MENDONZA


Esta encenação é uma vigorosa versão da peça Macbeth de Shakespeare ambientada na revolução mexicana. O protagonista torna-se o General Mendonza e Lady Macbeth agora é Rosario, tão cruel e perversa como sua matriz. 

                A apresentação acontece muito próxima ao público que acaba se envolvendo naquele ambiente de sangue, violência e sede de poder. O elenco gargalha, grita e transpira a poucos metros do espectador.


        A tradição mexicana de dramalhão está presente de maneira equilibrada na interpretação do elenco, criando um ambiente de sangue, suor e lágrimas muito propício para a fruição da obra.

        Mendoza é um Macbeth no melhor estilo mexicano que atualiza e não trai a peça escocesa do bardo inglês.

 

G.O.L.P.

 

        Esta curiosa coprodução entre o Teatro Experimental do Porto (Portugal) e o Teatro La María (Chile) é uma sátira política irônica e feroz a todos regimes políticos presentes no mundo.

        Grupos de portugueses (comunistas) e de chilenos (democratas) se reúnem e decidem que seus países devem entrar em uma guerra falsa que renda louros para ambos os lados, mas as coisas não saem conforme previsto.

Ri-se muito, mas o humor é subversivo e faz pensar, conforme se lê na sinopse do espetáculo: “Se são cheios de humor e permeados por muitos absurdos, os diálogos também comentam estratégias políticas bastante reais e bem distantes da comédia”.

Seis intérpretes dividem a cena, havendo a presença de um ator brasileiro (Pedro Vilela) no elenco de Portugal. 



Espetáculo perspicaz que exige a mesma qualidade do espectador.

Curiosamente o espetáculo se apresenta no dia (11 de setembro) em que se recorda o sangrento golpe militar ocorrido há 51 anos no Chile.

 

Esta sexta jornada do MIRADA 2024 reuniu dois dos melhores espetáculos apresentados até o momento no festival.

 

11/09/2024

 

 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

QUEMAR EL BOSQUE CONTIGO ADENTRO

 

Há uma dificuldade generalizada em transpor uma ótima ideia para uma dramaturgia consistente que resulte em um bom espetáculo teatral quando levada ao palco por um encenador.

Esse é o caso desse confuso espetáculo peruano com o sugestivo título acima e que esclarece em sua sinopse que “o fogo é uma ameaça constante: o incêndio que destrói as florestas, a faísca que brota dentro das pessoas e as consome”.

O que se vê no palco são três gerações de mulheres de uma mesma família, cada uma a beira de um ataque de nervos, prestes a se consumir nas chamas de seus incêndios internos.

Elas circulam ruidosamente por sua casa e se agitam ainda mais com a chegada do pai da jovem que representa o poder patriarcal denunciado pela peça. Não é à toa que a gata da casa, tão cara para as mulheres, leva o nome de Flora Tristan, uma importante ativista socialista franco-peruana que viveu no século XIX. Só como curiosidade acrescento que Flora Tristan era a avó do pintor Paul Gaughin.

A dramaturgia/encenação de Mariana de Althaus faz uma mistura de realismo fantástico, com teatro de absurdo, com surrealismo e até com elementos sobrenaturais tudo dentro de uma aparente realidade, algo que resulta em certa dificuldade de compreensão para o público.

O elenco feminino é bom, apesar de um certo exagero interpretativo da atriz que faz a mãe e Lucho Cáceres que já havia brilhado em Esperanza, interpreta o guaxinim...opa! o pai.

Coelhos e gatos circulam pacificamente pela casa, mas quando começa na floresta o incêndio previsto pela avó, animais em fuga invadem a casa.

Black Out. Fim do espetáculo. 

10/09/2024

 

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

QUARTO MIRADA – O ESTADO DO MUNDO e CABARÉ CORAGEM

 

O ESTADO DO MUNDO


Ainda me vem à lembrança a emoção experimentada ao assistir a A CAMINHADA DOS ELEFANTES do grupo português Formiga Atômica, há dois anos no MIRADA 2022. Com essa expectativa me dirigi ao Teatro Guarany para assistir a O ESTADO DO MUNDO (QUANDO ACORDAS).

A abordagem deste novo trabalho da dupla Inês Barahona e Miguel Fragata é diferente e a encenação de Miguel reforça o caráter tecnológico do mesmo, criando um complexo equipamento que tem suas partes focalizadas pelo intérprete e reproduzidas em um imenso painel redondo. Desta vez se está mais no campo da razão do que da emoção. Os objetos continuam tendo importância fundamental na apresentação.

O ator fala muito rápido dificultando às vezes o entendimento devido ao seu sotaque lusitano, mas isso não é um problema para os infantes, uma vez que a percepção deles é diferente daquela dos adultos que querem racionalizar cada sílaba falada.

CABARÉ CORAGEM



 

Essa delícia do Grupo Galpão já foi alvo de matéria que escrevi quando assisti ao espetáculo em São Paulo.

https://palcopaulistano.blogspot.com/search?q=cabar%C3%A9+coragem

Mais uma vez o público vai ao delírio durante a apresentação que é pura energia.



Viva o GRUPO GALPÃO!!

 

Na manhã desse dia houve um excelente encontro entre Lydia Del Picchia e Mariana de Althaus, mediado com muita categoria e conhecimento por Adriana Couto

 

09/09/2024

 

TERCEIRO DIA DO MIRADA - GRANADA E YO SOY EL MONSTRUO


GRANADA

 

O que um rapto descrito na mitologia grega ocorrido sabe lá em que século antes de Cristo, tem em comum com outro acontecido na noite de ontem em uma casa qualquer de uma cidade qualquer do século 21? A prepotência masculina e a impunidade do homem após praticar violência contra a mulher. Seja Hades, Perséfone, Leopoldo ou Elvira a história se repete por séculos e séculos e há sempre alguém a denunciar essa violência através da arte. É o caso da diretora chilena Paula Aros Gho que retoma o mito para falar dos dias de hoje.

Na opção da diretora o elenco não fala e o espectador munido com fone de ouvido ouve por meio de uma gravação a narração dos fatos e as falas das personagens. Tal recurso, a princípio interessante, torna-se cansativo e sonífero no decorrer a apresentação.

As boas atrizes Belén Herrera e Valentina Parada têm boas interpretações como Perséfone e a mãe Deméter e foi uma boa surpresa encontrar no elenco, Malicho Vaca, que havia brilhado no MIRADA 2022 com o emocionante REMINISCÊNCIA.

Três atrizes brasileiras participam do espetáculo em pequenos papeis.

A encenação foi realizada no pátio do Outeiro de Santa Catarina, importante monumento histórico da cidade de Santos

 

YO SOY EL MONSTRUO QUE OS HABLA

 

Este pode não ser o melhor espetáculo do MIRADA, mas com certeza é o mais importante, tanto pelo tema tratado contestando o conceito da diferença sexual praticado pela psicanálise como pela quantidade de informações importantes e pouco conhecidas que chegam até o público.

O importante filósofo espanhol Paul B. Preciado dirige o espetáculo colocando o público como os psicanalistas presentes no seu discurso semi concluído em 2019, colocando suas palavras nas bocas de cinco “monstros¨, todos trans e não binários.

Trata-se de um espetáculo árido, uma vez que reproduz o discurso sem poucos recursos cênicos que o dinamize, no entanto o conteúdo é tão intenso e importante que mantém a atenção dos espectadores até o final de suas quase duas horas de duração.

Para amenizar a aridez da encenação, por duas vezes o elenco canta uma interessante versão da canção Fumando Espero  com a letra voltada para o tema tratado. 

Na parte da manhã houve um interessante encontro com Faby Hernandez, atriz deste espetáculo, e o ator Daniel Veiga

 

09/09/2024

 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

SUBTERRÂNEO, UM MUSICAL OBSCURO

 

No início dos anos 1980 surgiu a moda das performances: um grupo de jovens se reunia em torno de um tema, fazia o que se chamava “laboratório”, colocando uma música de rock progressivo (as escolhas quase sempre recaiam em King Grimson ou Pink Floyd), apagando a luz e fazendo uma interação física se arrastando pelo chão, se abraçando, se lambendo e às vezes até tirando a roupa. O resultado desse exercício ia para os teatros em espetáculos sem pé nem cabeça que tiravam os críticos do sério. O memorável crítico Anatol Rosenfeld tem matérias memoráveis sobre o assunto.

A primeira meia hora dessa coprodução luso-brasileira tem todas as características dessas performances mostrando a sobrevivência de um grupo em um buraco profundo, mudando depois para diálogos/monólogos que buscam traduzir o que falavam ou pensavam 33 homens presos no desabamento de uma mina no Chile em 2010. As cenas nem sempre são bem resolvidas e o todo é longo demais. A melhor cena foge do mote principal quando duas atrizes e dois atores fazem uma cena hilária de cortina discorrendo sobre o passado e o presente numa obra literária e numa peça de teatro. O humor sempre faz bem e é quase sempre mais potente do que uma agressiva mensagem política.

Um grupo musical acompanha toda a trama e o jovem elenco interpreta e canta muito bem.

Três grupos respondem pelo espetáculo, o português Má-Criação (de Lisboa) e os brasileiros Foguete Maravilha (do Rio de Janeiro) e Dimenti (de Salvador)




Nesse mesmo dia tive a oportunidade de assistir a EL TEATRO ES UM SUEÑO do grupo peruano Yuyachkani que voltou a se apresentar na área de convivência do SESC Santos, pois a forte chuva os impediu de se apresentar na Praça Mauá. Trata-se de espetáculo bem realizado, mas não resta dúvida que seu maior atrativo são as fabulosas máscaras usadas pelo elenco, que reproduz com perfeição no gestual as características sugeridas pelas respectivas máscaras. Puro deleite.


Nesse dia ainda fiz a imersão proposta pela instalação FLORESTANIA de Eliana Monteiro. Minha entrada e saída da rede ajudado/carregado pelos gentilíssimos Ligia e Luciano foram cenas cômicas, dignas das Pegadinhas do Faustão[jc1] ; rimos muito com a situação, mas uma vez acomodado na rede foi relaxante e inspiradora a experiência de ouvir/sentir os sons da floresta. 

06/09/2024


 [jc1]