1.
Introdução:
Desses eu não tenho programa
Em 1960 eu estava na quarta série do
ginásio e minhas experiências teatrais se limitavam aos shows de mágica e de
piruetas no gelo que meu pai me levava, aos teleteatros assistidos na televisão
e às idas ao circo Piolin, a convite de Dona Elisa, nossa vizinha, que era
parente do palhaço Simplício.
Ganhei, não sei ao certo de quem,
convite para uma peça de teatro no Theatro Municipal. Acredito que tenha sido a
primeira vez que entrei naquele teatro.
Tratava-se de O Fazedor de Chuva
encenada por Osmar Rodrigues Cruz para o então chamado Teatro Experimental
do SESI tendo Edney Giovenazzi e Nize Silva no elenco (hoje esses dados são
de meu conhecimento, mas na época não me diziam absolutamente nada). Tudo era novidade
e deslumbramento para aquele jovem espectador tanto que o cenário lhe pareceu “mais
convincente” do que as locações naturais do filme assistido algum tempo antes (Lágrimas
do Céu, de 1956, com Burt Lancaster e Katharine Hepburn). Cinema já era uma
linguagem a que eu estava acostumado, mas teatro feito ali, na minha frente,
estava se mostrando algo totalmente novo e diferente.
Não tenho registro nem lembrança dos
espetáculos a que assisti de 1961 a 1963, época em que estava no científico e
que fiz teatro com o pessoal do colégio. Com o incentivo da querida professora
de português Dona Terezinha (nada menos que Telê Ancona Lopes) montamos Quem
Casa, Quer Casa de Martins Pena, onde eu interpretava a personagem Sabino,
o filho gago da matriarca Fabiana. A peça foi apresentada no auditório do Colégio
Caetano de Campos e no Teatro de Arena, onde o vírus do
teatro tomou conta de mim em definitivo, quando assisti a um espetáculo de
mímica de Ricardo Bandeira, que se apresentava na mesma época no Arena.
Minha aventura teatral começa
realmente em 1964 quando assisto a outro espetáculo dirigido por Osmar
Rodrigues Cruz no TAIB: Noites Brancas. Novamente eu já tinha a
experiência cinematográfica da história que era o filme de Luchino Visconti de
1957 com Maria Schell e Marcello Mastroianni, mas a montagem teatral me seduziu
completamente, apesar da neve artificial de algodão do cenário, porque em cena
havia uma figura doce e luminosa: BERTA ZEMEL. Eu já havia assistido a alguns
trabalhos dessa grande atriz nos teleteatros e também a conhecia pelas fotos
nos jornais e nas revistas, mas pela primeira vez ela estava ali, na minha
frente, interpretando a doce Nastenka do conto de Dostoievski, ao lado de
Odavlas Petti. Uma lástima que também não guardei o programa dessa peça.
O primeiro programa que guardei foi de O
Ovo, também de 1964, peça que inaugurou o Teatro Aliança Francesa.
Perdi o programa, mas fui achá-lo em um sebo 47 anos depois, mas isso é uma
outra história que fica para uma outra vez, pois o assunto neste momento é
Berta Zemel que nos deixou no último dia 25 de fevereiro aos 86 anos.
2.
Berta
Zemel
Voltei a assistir trabalhos de Berta
Zemel novamente dirigida por Osmar Rodrigues Cruz no agora denominado Teatro
Popular do SESI que se apresentava no TAIB. Em 1966 foi Manhãs de Sol,
uma suave comédia romântica de Oduvaldo Viana e em 1967, o impacto de O
Milagre de Anne Sullivan, onde ela tinha uma interpretação vigorosa
como a instrutora da menina cega e surda Helen Keller que lhe valeu todos os
prêmios de melhor atriz do ano (Molière, APCT e Governador do Estado). A cena
em que Anne consegue quebrar a barreira da incomunicabilidade da menina diante
de uma bomba de água ficará para sempre em minha memória como uma das cenas antológicas
que presenciei no teatro.
Em 1970, Berta Zemel teve outro grande
momento no monólogo A Vinda do Messias onde ela interpretava Rosa
Aparecida dos Santos, uma costureira humilde que vive à espera do seu Godot,
aqui chamado de Messias. Mais uma vez ela recebe o prêmio de melhor atriz da
APCT.
O sucesso na televisão em 1974 com Vitória
Bonelli e o posterior afastamento durante a ditadura junto com o marido
Wolney de Assis (1937-2015) por questões políticas fizeram com que a atriz se
afastasse por 30 longos anos, privando assim nossos palcos de sua presença
luminosa.
Berta Zemel volta ao teatro em 2000
pelas mãos de Luiz Valcazaras em outro monólogo, Anjo Duro, onde ela
interpreta a psiquiatra Nise da Silveira. Trabalho louvadíssimo que lhe valeu o
prêmio APCA de melhor atriz.
Na noite em que fui assisti-la levei o
programa de A Vinda do Messias e ao final fui conversar com Berta
Zemel que me recebeu com muito carinho e bastante emocionada ao ver o velho programa
da peça. Eu disse a ela que esperei 30 anos por aquele autógrafo e ela
delicadamente escreveu “Ao José, a alegria de se saber lembrada e a
gentileza da memória. Berta Zemel. 04/06/2000”. Guardo esse programa como
um tesouro.
Em 2009 foi lançada sua biografia na Coleção
Aplauso da Imprensa Oficial. Na noite de lançamento, ganhei mais um
autógrafo: “José Cetra, um forte abraço e as saudades dos velhos bons
tempos. Berta Zemel. 28/10/2009”.
Berta Zemel não fez mais teatro. Em
2020 fiz uma pesquisa para os 40 anos do Teatro Sérgio Cardoso e várias
vezes seu nome foi lembrado, pois ela participou de Hamlet na montagem
inaugural do Teatro Bela Vista em 1956 (ela interpretou Ofélia) e atuou
em várias peças da Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso na década de
1950; além disso sua volta ao teatro em 2000 se deu na Sala Paschoal Carlos
Magno do teatro.
Pensei em contatá-la para uma
entrevista e até para sondá-la para uma possibilidade de leitura dramática de Anjo
Duro, nos eventos que celebrariam os 40 anos do teatro. A pandemia ceifou
boa parte do que se planejava para a celebração inclusive o eventual contato
com a atriz.
Perdi uma grande oportunidade. Berta
nos deixou na última semana e doravante só nos resta a lembrança e a saudade do
trabalho dessa grande atriz.
29/02/2021