O Rio de Janeiro está
dando um banho de teatro nos palcos paulistanos. Nos primeiros meses do ano
fomos agraciados com os excelentes Enquanto Você Voava Eu Criava Raízes
e Alguma Coisa Podre que vieram da temporada de 2023; seguiram-se
Todas as Coisas Maravilhosas e Let’s Play That e neste
final de junho foi a vez de Julius Caesar, A Menina Escorrendo dos
Olhos da Mãe e Orfãos.
A montagem de Orfãos
parte do texto do dramaturgo norte americano Lyle Kessler que mostra a vida
solitária dos irmãos Treat e Phillip.
Treat, o mais velho,
perambula pelas ruas roubando para garantir a sobrevivência dele e do irmão
menor. Tem personalidade violenta.
Phillip vive recluso
por ordens do irmão, acreditando que tem uma doença que o impede de se
aventurar nas ruas. Tem um mundo todo seu baseado em heróis das histórias que
lê, escondido de Treat, que acredita que ele é analfabeto. É um jovem tímido e
inseguro.
Convivendo nessa
relação tóxica os irmãos têm carência de afeto de um pai desconhecido e de uma
mãe que morreu muito jovem.
É nesse cenário que
surge na vida deles um elegante senhor de nome Harold, pessoa de origem escusa,
mas que se afeiçoa a eles, procurando ajuda-los tanto no aspecto comportamental
como no financeiro. Enquanto Phillip desenvolve-se com os ensinamentos de
Harold, o irascível Treat o trata com desprezo, até um desfecho trágico.
Essa simples história
é contada de forma surpreendente pelo autor com diálogos ágeis e um conflito há
cada dez minutos.
O diretor Fernando
Philbert aproveita o ambiente caótico presente no texto para situar a cena em
aposento de moradia muito sujo e desorganizado pelo qual Phillip circula para
preencher o vazio de sua existência. A medida que a influência de Harold vai
aumentando, a casa e os figurinos vão se tornando mais civilizados; solução
engenhosa para a qual contribuem Natália Lana (cenário), Vilmar Olos
(iluminação) e Rocio Moure (figurinos). A destacar também a trilha sonora
criada por Marcelo Alonso Neves e a dinâmica direção de movimento assinada por
Toni Rodrigues que atinge seu auge com o verdadeiro balé realizado por Phillip
quando circula pela casa nas primeiras cenas da peça, cena que demonstra também
o preparo físico do ator Lucas Drummond.
Toda essa parte
criativa seria insuficiente se não houvesse elenco de peso para vestir as
personagens de Treat, Harold e Phillip.
O grandalhão Treat
encontra em Rafael Queiroz o intérprete ideal, seja pelo physique du rôle,
seja pela garra com que realiza as cenas dos surtos de violência da personagem.
Em uma bem-vinda
volta aos palcos paulistanos, Ernani Moraes interpreta um elegante e comedido
senhor Harold com fala mansa e gestos equilibrados, algo bastante diverso das
personagens que ele costuma fazer. Belíssimo trabalho.
Finalmente cabe
destacar e louvar a surpreendente e emocionante performance de Lucas Drummond.
A fragilidade e o espanto de Phillip diante de qualquer novidade são tão
presentificadas por Lucas que a vontade do espectador é antecipar aquele
afetuoso abraço que Harold lhe oferece na segunda parte da peça. Estamos
presentes diante de um jovem grande ator que merece toda a atenção para seu
futuro profissional. Além de excelente ator, Lucas é o realizador (foi ele que
descobriu o texto em Nova York) e coordenador desse importante projeto.
ORfÃOS está em cartaz
no Teatro FAAP apenas às quartas e quintas feiras às 20h até 01 de agosto.
Não perca a
oportunidade de assistir a uma consistente história, muito bem dirigida e com
excelentes atores. Dá para exigir mais de um espetáculo de teatro?
27/06/2024