terça-feira, 30 de setembro de 2025

JOB


Job é exemplo de peça bem escrita: personagens bem definidos e bem construídos, diálogos ágeis e cortantes, trama bem urdida revelando aos poucos as razões de cada personagem ocasionando reviravoltas que mantém o público em constante atenção e surpresa até uma revelação final, quase sempre bombástica, que leva os espectadores à catarse final que termina em aplausos calorosos. Os manuais de dramaturgia, quase sempre de origem norte-americana, costumam dar o caminho para se produzir a assim chamada “playwriting” bem sucedida, mas não há receita para quem não tem imaginação nem talento.

Conhecimento dos trâmites das redes sociais, imaginação e talento não faltaram para o jovem (30 anos) dramaturgo norte-americano Max Wolf Friedlich ao escrever essa trama envolvendo uma profissional da internet que foi afastada da empresa depois de ter um surto ao filtrar conteúdos agressivos e/ou pornográficos da rede social e um terapeuta responsável por elaborar um laudo que permita ou não que ela volte ao trabalho. A trama respira perversidade e há um clima parecido com as primeiras peças de Edward Albee.

A peça inicia com uma cena muito agressiva que se torna clara ao retornar pouco antes das luzes se apagarem anunciando o final da apresentação. Entre essas duas cenas acontece o duelo de noventa minutos entre as duas personagens.

O sucesso desse tipo de trabalho depende do talento e da garra dos intérpretes.

Edson Fieschi transita entre a frieza do terapeuta e o assombro do homem quando acuado.

Bianca Bin é um furor no palco desde a primeira cena; despindo-se de sua beleza natural ela se entrega totalmente à personagem da neurótica e desleixada Jane. Sua interpretação se inscreve nas melhores do ano.

      Fernando Philbert foca a direção nos dois intérpretes sem deixar de lado os recursos cenográficos (Natália Lana), os figurinos discretos (Ronald Tixeira) e a iluminação preciosa de Vilmar Olos que ilustra os pensamentos dos personagens quando estes se afastam do diálogo para refletir sobre o que está ocorrendo. A trilha sonora soturna de Marcelo Alonso Neves também colabora para o tenso clima da peça.

 Repito aqui um termo não muito elegante que usei ao sair da peça: Fiquei CHAPADO!!

        JOB esteve em cartaz no Teatro Vivo até o último domingo, dia 28/09 e deve estrear no Rio de Janeiro em breve.

        A peça já saiu de cartaz, mas eu não poderia deixar de registrar aqui os méritos da mesma e como ela me deixou CHAPADO!

        30/09/2025


segunda-feira, 29 de setembro de 2025

ELÃ Peça do Livro de Linhas

 

E, no entanto, é preciso cantar

Mais que nunca é preciso cantar

É preciso cantar pra alegrar a cidade

(Vinicius de Moraes) 

        Em momento tão grave de sua trajetória a “Cia. Mungunzá de Teatro” realiza o espetáculo mais descontraído de seu repertório. Não se trata de trabalho descompromissado, muito menos alienado, a denúncia e a militância tão próprias do grupo estão ali, mas de maneira irônica e até bem humorada, graças em boa parte à direção de Isabel Teixeira. Um momento especial do espetáculo retrata bem isso, quando Virginia Iglesias à bateria acompanha Nina Simone cantando a icônica canção “I Feel Good” (Eu me sinto muito bem), enquanto as imagens mostram a tragédia de um carro rolando na ribanceira matando todos os seus passageiros.

        O processo de criação que envolveu idas e vindas de textos criados/improvisados pelo grupo e supervisionados por Isabel resultou em um belo livro costurado a mão; desse livro saiu o texto teatral apresentado.

        São cenas envolvendo situações e personagens diversas apresentadas de maneira aparentemente aleatória e desta vez cabe ao público costura-las da maneira que achar melhor.

        É surpreendente e muito prazeroso assistir à descontração das moças Sandra Modesto, Verônica Gentilin e, principalmente, Virginia Iglesias, em papéis bem diferentes daqueles que realizaram até hoje. Dilma Corrêa é uma delícia como a mãe do vendedor de morangos interpretado por Marcos Felipe, que na realidade é filho dela. Lucas Bêda tem grande momento como o animador de velórios (clara referência à agonia do Teatro de Contêiner). E é sempre uma alegria testemunhar a evolução de Leo Aiko e Pedrinho das Oliveiras (também filho de Dilma e irmão de Marcos)) como atores.

        Esta não é uma crítica, nem tampouco uma matéria, é apenas um conselho para que você não perca este instigante trabalho de um dos mais importantes grupos teatrais de São Paulo.

        ELÃ está em cartaz no SESC Pompeia até 12/10 de quinta a sábado às 20h e domingo às 18h

        29/09/2025

terça-feira, 23 de setembro de 2025

SEIS ATORES EM BUSCA DE SÉRGIO CARDOSO

 

1.   Prólogo

As respostas mais comuns à pergunta “Quem foi Sérgio Cardoso?” são: 

         - Queemm?

         - Sei lá!

         - É aquele do teatro?

        Essas respostas podem ser encontradas inclusive entre jovens que fazem teatro e se trata de um dos maiores atores surgidos no Brasil no século XX.

        Por tudo isso e em memória do nosso teatro é muito bem-vinda a homenagem que o Teatro Sérgio Cardoso e a Associação Paulista dos Amigos da Arte estão realizando no ano em que Sérgio completaria cem anos.

        Nesta semana estreia a peça escrita e dirigida por Rita Batata e no dia 13 de outubro (data na abertura do teatro em 1980) é inaugurada uma mostra permanente da vida e da obra de Sérgio e de Nydia Licia, a grande responsável pela existência do teatro (muito merecidamente a sala maior do teatro leva o nome dessa grande atriz).

2.   A peça

       Autora, diretora e elenco bastante jovens procuram recriar   Sérgio Cardoso, pincelando fatos sobre sua vida e sua obra.

       A peça inicia com todo o elenco mostrando facetas de Sérgio. No afã de falarem seus textos os atores interrompem um ao outro. Todos querem ser Sérgio Cardoso em uma cena dinâmica e bonita.

        As cenas melhor resolvidas são aquelas em que se evita a recriação trechos de algum dos espetáculos interpretados pelo ator, como por exemplo a cena do “Ser ou não ser” de Hamlet onde o texto é projetado em um telão e um ator faz mímicas das ações do personagem. Outra cena memorável é aquela em que Madame Clessy (de “Vestido de Noiva”) dialoga com o próprio Sérgio.

        A criatividade de Rita está presente nesses dois momentos, enquanto as recriações de cenas das peças soam, para este espectador, artificiais. Não dá para não imaginar como Sérgio estaria fazendo!

        O elenco coeso desloca-se de maneira harmoniosa em cena sob a direção de movimento de Luaa Gabanini.

        No todo trata-se de espetáculo digno e bem realizado que cumpre o objetivo de mostrar para o público quem foi Sérgio. É uma bela homenagem a ele, a Nydia Licia e a Sylvia Cardoso Leão, filha do casal que conserva com muita garra e amor o acervo deixado pelos pais.

3.   Epílogo

        Com muita alegria doei para Sylvia o programa da peça “Lampião”, primeira peça produzida pela Cia. Nydia Licia – Sérgio Cardoso em 1954, que segundo ela era o único que faltava em seu acervo.

        Digno de nota também é o belo programa impresso do espetáculo. 

VIVA SÉRGIO CARDOSO!

VIVA NYDIA LICIA!
VIVA O TEATRO BRASILEIRO!
 

SEIS ATORES EM BUSCA DE SÉRGIO CARDOSO está em cartaz na Sala Paschoal Carlos Magno do Teatro Sérgio Cardoso. Sexta, sábado, domingo e segunda à 19h.

23/09/2025

 

sábado, 20 de setembro de 2025

REPARAÇÃO

 

Foto de Mara Chama

Uma menina de 16 anos é violentada por dois colegas da escola em uma cidade do interior. O fato torna-se público e as reações das pessoas em relação à menina são positivas (em geral das mulheres) ou negativas (em geral dos homens). Carlos Canhameiro abriga esse microcosmo em um salão de beleza onde o elenco representando funcionários e clientes emprestam suas vozes para falar os depoimentos recolhidos por Canhameiro na cidade onde o fato ocorreu. Uma amostra da sociedade machista brasileira.

A dramaturgia do autor é completada por cenas ficcionais onde aparecem a menina, os pais e o sujeito que a engravidou.

O caso teve consequências trágicas com o assassinato da criança pela própria mãe.

Se a dramaturgia é bastante interessante, intercalando falas reais com cenas ficcionais, a tradução cênica assinada pelo próprio dramaturgo é digna dos maiores aplausos.

Foto de Mara Chama

O cenário criado por Canhameiro e José Valdir Albuquerque reproduz em detalhes o “Suely Hair e Unha’s – UNISSEX”, salão de beleza onde são reproduzidos os depoimentos recolhidos (imagens projetadas mostram fotos e profissões de quem deu o depoimento) e na parte superior são apresentadas as cenas de ficção. Essa dinâmica cria um vínculo com o público que não é quebrado durante as quase duas horas da peça. 

Um elenco coeso se reveza com muita versatilidade nas várias personagens criadas.

Marilene Grama interpreta a menina, depois moça, com muita garra; Daniel Gonzalez mostra energia como o pai, Luiz Bertazzo vai de cliente do salão a uma vizinha fofoqueira com muito humor e Yantó e um assombro com sua bela voz pontuando as canções apresentadas.

Nilcéia Valente merece destaque com sua classe e voz límpida tanto como a mãe como cliente do salão e, por último, Fábia Mirassos, atriz cada vez mais presente em nossos palcos que vai desde a cocote Suely, dona do salão à mãe, em cenas bastante dramáticas.

Reforçando o realismo do cenário estão em cena duas profissionais da estética da beleza, uma manicure (Maria França) e uma cabelereira/maquiadora (Rosa De Carlos).

Pela originalidade e criatividade tanto na dramaturgia como na encenação, vejo “Reparação” como um marco na carreira de Carlos Canhameiro.

O espetáculo fica em cartaz no CCSP até 21/09 e desloca-se para o Teatro de Arena Eugênio Kusnet a partir de 25/09 até 12/10 de quinta a sábado às 19h e aos domingos às 18h.

Fica a curiosidade de como ele vai caber no Teatro de Arena!!

NÃO DEIXE DE VER.

20/09/2025

 

 

terça-feira, 16 de setembro de 2025

AS TRÊS VELHAS

 

 

                                                 Ninguém vai ao teatro para escapar de si mesmo, mas para reestabelecer contato com o mistério que todos nós temos.

(Alejandro Jodorowsky) 

Passei a pesquisar a vida e a obra de Alejandro Jodorowsky (1929) após assistir a seus dois filmes autobiográficos: “A Dança da Realidade” (2013) e “Poesia Sem Fim” (2016), este último uma joia rara, verdadeira obra-prima.

Seus textos para teatro são pouco conhecidos no Brasil e suas encenações são raras. Ao que eu saiba até o momento sua única peça montada em São Paulo foi “As Três Velhas” em 2008, com direção bastante equivocada e exagerada da saudosa Maria Alice Vergueiro.

Em bom momento Reginaldo Nascimento escolheu essa peça para integrar o currículo de seu Teatro Kaus Cia. Experimental, trilhando estética apresentada em seus últimos trabalhos, com exceção de “Chuva de Anjos”.

Todos os traumas carregados pelo autor desde uma infância problemática estão presentes neste “melodrama grotesco”, como ele o denominou.

Sem abrir mão do grotesco e do escatológico próprios do texto, o diretor Reginaldo Nascimento realiza uma encenação esteticamente bonita, dando oportunidade a três excelentes interpretações das atrizes.

Só dando um exemplo da diferença entre as montagens de Maria Alice e de Reginaldo cito a cena onde a personagem Meliza recebe o “desconhecido” com seu enorme falo. A discrição e a elegância de Reginaldo se contrapõem ao exagero de Maria Alice.

Some-se ao resultado desta boa encenação o cenário e a trilha sonora do próprio Reginaldo, os figurinos e adereços assinados por Telumi Hellen e o visagismo sofisticado e carregado de Louise Helène. É digna de nota, a fluente tradução do texto, realizada por Aimar Labaki.

Todos esses recursos de produção poderiam se perder com um mau elenco e nesse quesito “tudo que reluz é ouro”. Tânia Granussi demonstra vitalidade e certo humor na interpretação da robusta Grazia, Vera Monteiro vive a criada Garga e é a mais ponderada – se é que isso é possível! - das três personagens. As reações de Garga às loucuras das duas irmãs são notáveis. Finalmente Amália Pereira que interpreta Meliza e interfere como o “papai” com sua voz potente e movimentação corporal vigorosa e surpreendente. Amália concentra em si todo o universo caótico de Jodorowsky, muito bem acompanhada por Tânia e Vera.

Mesmo escancarando toda a perversidade, o horror e o “apodrecimento” daquele mundo decadente, ou talvez por isso mesmo, AS TRÊS VELHAS é importante para ser visto.

A partir de 25/09 e até 05/10, AS TRÊS VELHAS estará em cartaz no Teatro Alfredo Mesquita de quinta a sábado às 20h e domingos às 19h.

NÃO DEIXE DE VER! 

15/09/2025

 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

MAIO – ANTES QUE VOCÊ ME ESQUEÇA

 

Tolerância nos relacionamentos quando um dos envolvidos sofre de Alzheimer é o mote desta delicada peça de teatro escrita e dirigida pelo neuro cirurgião Jair Raso. Jair também é responsável pela trilha sonora e pela também delicada e bela iluminação que compactua com os sentimentos presentes em cada momento.

Um idoso viúvo vive com sua filha e vai passar o fim de semana com o filho caçula que é paisagista. O velho sofre de Alzheimer e é repetitivo em suas falas e agressivo ao pedir bebida ao filho, que perde várias vezes a paciência agredindo o pai chegando a induzi-lo a se suicidar jogando-se da janela do seu apartamento. Essa reação agressiva tem muito a ver com os traumas que ele tem do relacionamento com o pai. À medida que a noite avança, algumas memórias do pai vêm à tona, fazendo o filho mudar totalmente de comportamento.

Escrita, dirigida e interpretada de maneira  emocionada, essa emoção atinge em cheio o público que não fica indiferente ao que se passa em cena. Pessoas que já passaram por situações parecidas não conseguem evitar as lágrimas.

Pode parecer que se trata de um simples melodrama, mas a perspicácia do diretor e o talento dos intérpretes driblam essa armadilha com momentos de humor e de distanciamento do drama tratado.

Maurício Canguçu tem versatilidade para passar pelas várias fases de comportamento que seu personagem exige e emociona ao final da peça junto com Ilvio Amaral em uma impressionante composição como o pai idoso. Ilvio não esquece em nenhum segundo das limitações físicas do velho, surpreendendo o público na saída do teatro quando aparece jovial e garboso como ele é na realidade.

Esses dois surpreendentes atores já haviam encantado o público paulistano com “A Idade da Ameixa” em 2005 e agora retornam vinte anos depois com “Maio - Antes Que Você Me Esqueça” que infelizmente acaba de sair de cartaz no Teatro Estúdio.

Quem viu, viu!

Essa excelente dupla mineira precisa dar mais chances ao público paulistano para que este possa admirar sua arte e seu talento.

15/09/2025

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

PRATA DA CASA

 


Gente simples: Tatá é zelador de um prédio há 15 anos e tem como maiores paixões o samba e a escola de samba para a qual desfila como porta estandarte. É uma pessoa de boa índole e com bom relacionamento com os moradores. Gosta muito de Maria, empregada doméstica no mesmo local e sonha em ser seu namorado. Muito sensível, Tatá se identifica com os problemas e dramas dos moradores, sempre disposto a ajudar. Uma determinação de sua chefia põe em risco a sua sonhada participação no desfile do próximo carnaval.

Uma história simples a partir da qual Victor Mendes construiu dramaturgia consistente levada à cena por ele mesmo na direção e tendo como base a interpretação primorosa de Felipe Frazão.

Felipe Frazão reúne dotes de ator, cantor, dançarino e mímico e com a ajuda de Fabrício Licursi na direção de movimento apresenta quase um balé enquanto interpreta seu personagem. A simpatia e a espontaneidade de Felipe conquistam de imediato a cumplicidade do público que acompanha com interesse as idas e vindas de Tatá com os moradores. A convivência e depois a saudade do falecido pai também fazem parte das lembranças de Tatá.

Grande parte do bom resultado da encenação deve-se ao sugestivo cenário formado por um pedaço da parede da portaria e, principalmente, ao desenho de luz, ambos criados por Marisa Bentivegna. A iluminação sugere portas que se abrem e se fecham e até uma sala onde Tatá vai pensar na vida (seria o banheiro?).


As mais que apropriadas intervenções musicais tão bem coreografadas e interpretadas por Felipe são compostas por Alfredo Del Penha, que já brilhou por aqui nos espetáculos da Barca dos Corações Partidos.

Os figurinos de Miltinho e Ernesto Paixão atingem o seu auge na apoteótica cena final.

Contando com a iluminada interpretação de Felipe Frazão e harmonizando os demais elementos da produção (texto / cenário / iluminação / figurinos /trilha sonora), Victor Mendes realiza uma obra pequena no tamanho, mas deliciosamente grande no resultado.

Em tempo: Não se trata de algo que desmereça o espetáculo, mas cabe lembrar que a/o intérprete de libras deve fazer uma apresentação neutra do espetáculo para não interferir no mesmo. Na sessão a que assisti no dia 10 de setembro, a profissional agia apaixonadamente, competindo em gestos com o trabalho de Felipe Frazão. 

PRATA DA CASA está em cartaz no Centro Cultural São Paulo SÓ até o próximo domingo, dia14. Quarta, quinta e sexta (20h), sábado (18h e 20h), domingo (19h)

IMPERDÍVEL 

11/09/2025

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

VELOCIDADE

 

Foto de Igor Cerqueira

O tempo e sua relatividade é tema frequente da literatura (“Oh tempo! Suspende teu voo”, já clamava Lamartine no século XIX), do teatro, do cinema e da música. No que se refere à música brasileira basta citar Caetano Veloso (“Oração ao Tempo”), Gilberto Gil “(Tempo Rei”) e Chico Buarque com sua incomparável “Valsa Brasileira”.

Uma eternidade pode caber em alguns segundos de um sonho, mas como encaixar o tempo de um sonho em um tempo real? O Grupo Quatroloscinco de Belo Horizonte aceitou o desafio e desacelera o tempo ao vivo na frente do espectador na peça-livro “Velocidade”, ora em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil.

O espectador precisa de um tempo para entrar no tempo do espetáculo, mas quando consegue, passa a usufruir de um dos mais originais e instigantes trabalhos teatrais surgidos nos palcos paulistanos.

A peça inicia totalmente no escuro quando se ouve a narração de um sonho, aos poucos surge a iluminação aqui ou acolá e a retina do espectador vai se aclimatando à claridade.

O elenco de cinco pessoas e seus respectivos avatares apresenta os sete capítulos que compõem o livro-peça. Tudo realizado de forma suave e poética envolvendo o espectador em tempo suave e acolhedor.

Todo o elenco é dono de voz belíssima, emissão perfeita e dicção de clareza pouca ouvida em nossos palcos. São elas e eles: Michele Bernardino, Rejane Faria, Assis Benevuto, Ítalo Laureano e Marcos Coletta. Os avatares foram realizados por Agnaldo Pinho, Eduardo Félix e Marina Arthuzzi.

O público é convidado a ler em coro “A Última Página” (sétimo capítulo do livro).

O epílogo acontece com uma explosão de efeitos sonoros (Barulhista) e luzes estonteantes criadas de maneira brilhante por Marina Arthuzzi, em um verdadeiro trabalho de gênio!

Ao se apagarem as luzes é necessário um tempo para que o espectador reassuma o tempo real e aplauda calorosamente o elenco.

A dramaturgia é assinada por Assis Benevuto e Marcos Coletta e a direção do espetáculo é de Ítalo Laureano e Ricardo Alves Jr.

Um belo livro-peça está à venda ao final da peça-livro!

Velocidade é mais um grande momento da temporada de 2025.

NÃO DEIXE DE VER!

VELOCIDADE está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. Quinta e sexta 19h e sábado e domingo 17h até 12 de outubro.

 

08/09/2025

sábado, 6 de setembro de 2025

SOB O CÉU DE PARIS

 

Será que se esta peça se chamasse “Sob o Céu do Minhocão”, ela teria o mesmo apelo para o público? De qualquer maneira, seria mais coerente porque toda a ação se passa em um apartamento situado à beira da tenebrosa via que corta agressivamente a paisagem paulistana e Paris é vagamente citada devido a uma viagem à capital francesa que o casal protagonista fez na juventude. O título dado também se refere a uma canção de Edith Piaf que não é citada na peça.

A peça de Gabriela Rabelo mostra a visita que uma neta faz aos avós onde tenta resgatar fatos do passado e é um veículo para o brilho e o talento da grande atriz Miriam Mehler e também uma celebração pelos seus 90 anos a serem completados no próximo dia 15 de setembro.

Maldosamente, o mordaz crítico Telmo Martini escrevia que Miriam sofria de “síndrome de Peter Pan”, mas no fundo ele tinha razão, pois fisicamente a querida atriz é uma eterna garota de quinze anos com seu corpo mignon e ágil. Vê-la preparando-se para iniciar a peça, junto com Rosana Maris e Walter Breda já é uma festa para os olhos. 






Com sua poderosa voz e vigoroso gestual ela dá vida a Ana Angélica Minhocão, mulher e mãe dos personagens interpretados por Walter Breda, sempre ótimo em cena. Rosana Maris, interpreta a neta visitante igualando-se em talento aos veteranos Miriam e Breda.

Gabriel Fontes Paiva empresta dinamismo ao espetáculo, acumulando as funções de diretor, cenógrafo e iluminador. Os figurinos são assinados por Fábio Namatame e a trilha sonora é de Chico Beltrão.

O sempre bem-vindo programa impresso, além de notas sobre os intérpretes e sobre o espetáculo, traz uma interessante matéria de Marianne Wenzel sobre o Minhocão e os males que ele fez à cidade, reforçando aquilo que escrevo no início deste texto, que o título da peça deveria ser “Sob o Céu do Minhocão”.

Muito bonita a homenagem do Guia OFF que traz Miriam Mehler na capa de sua edição de setembro.


E SALVE MIRIAM MEHLER!

SOB O CÉU DE PARIS está em cartaz no Itaú Cultural até 28/09 de quinta a sábado, 20h e domingo, 19h.

 

06/09/2025

terça-feira, 2 de setembro de 2025

A GRANDE MAGIA

 

Foto de João Caldas

1.   Um pouco sobre o autor

        Eduardo De Filippo (1900-1984) foi um ator, diretor e dramaturgo napolitano muito popular nas décadas de 1950 e 1960. Em seus 84 anos de vida atuou, dirigiu e escreveu para teatro, cinema, rádio, televisão e até ópera. Teve um encontro com Pirandello (1867-1936) em 1933 com quem escreveu “O Hábito Novo” em 1935. A relatividade da verdade, tema tão caro a Pirandello, está presente nesta “A Grande Magia” escrita em 1948 e ora em cartaz no SESC 14 Bis.

De Filippo escreveu cerca de 50 peças, todas de cunho popular e crítico e poucas chegaram aos palcos brasileiros. Em 1965, na fase agônica do TBC, Alberto D’Aversa montou “Esses Fantasmas” com Otelo Zeloni, tentando, sem sucesso, repetir o sucesso de “Os Ossos do Barão”. Só em 1986, o autor volta aos palcos do Rio de Janeiro com “Sábado, Domingo e Segunda (direção de José Wilker) e em 1988 com “Filomena Marturano!” (direção de Paulo Mamede), ambas com interpretações antológicas da saudosa Yara Amaral. Ao que consta De Filippo só volta aos palcos paulistanos em 1999 com “A Arte da Comédia” (direção de Marcio Aurelio), em 2003 com “Sábado, Domingo e Segunda” (direção de Marcelo Machioro) e em 2014 novamente com a deliciosa “A Arte da Comédia” (direção de Sergio Módena).

É, portanto, mais que oportuna a escolha de “A Grande Magia” para celebrar os 25 anos da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico. 

2.   A montagem 

A primeira parte da peça, bastante engraçada e interessante, se passa em frente a um hotel, onde são apresentadas as personagens e onde se realizam os números de mágica, sendo que um deles fará “desaparecer” a esposa do estressado Calogero, fato que desencadeia todo o resto da trama. A peça perde ritmo na segunda parte só o recuperando no final com a reviravolta no comportamento da personagem Calogero.

        Com exceção da bela trilha sonora com músicas do cantor italiano Paolo Conte, o diretor Marcelo Lazzaratto optou por um ambiente atemporal, não reforçando o italiano tanto nos cenários como na interpretação do elenco, é de se estranhar, portanto, a composição da excelente atriz Carolina Fabri com gestual e voz das mulheres napolitanas.

        As personagens masculinas são melhor desenvolvidas pelo autor do que as femininas dando a oportunidade de ótimas interpretações de Gabriel Miziara e Ernani Sanchez além de promover momentos brilhantes de Chico Carvalho (o mago charlatão) e de Pedro Haddad (Calogero).

        O mesmo não se pode dizer no elenco feminino: Marina Vieira e Rita Gullo atuam de maneira caricatural e gritada em todas as personagens que interpretam. Chiara Lazzaratto não tem chance de mostrar o seu talento no papel da menina risonha Amélia. Larissa Garcia interpreta com discrição a esposa desaparecida. A grande atriz Carolina Fabri está totalmente fora do contexto criado por Lazzaratto numa interpretação caricata como uma mulher italiana vulgar.

        Completam o elenco Fernando Vilar (o amante) e João Portela, uma espécie de narrador e leitor das rubricas.

         A montagem de Lazzaratto, bastante digna e portadora de bons momentos teatrais, merece ser vista.

        A GRANDE MAGIA está em cartaz no SESC 14 Bis até 21 de setembro. Sexta e sábado às 20h e domingo às 18h.

Sessões extras: Dias 4 e 11 (quinta) às 15h e dia 18 (quinta) às 20h.

        02/09/2025