quarta-feira, 29 de outubro de 2025

RUMO A 5.000

 



RUMO A 5.000

Pela minha formação em Engenharia e Estatística eu contabilizo minhas idas aos espetáculos ao vivo (teatro, concerto, show, ópera, dança e outros) e ao cinema desde 1964, ano que comecei a frequentar essas atividades de maneira regular e até esta data o resultado é o seguinte:

 

CINEMA - Neste caso tenho registrado a partir de 1972, 5.332 filmes assistidos. Minha média anual diminuiu consideravelmente a partir de 2014, ano que passei a fazer parte do júri de teatro da APCA e tive que aumentar a ida aos teatros.

 

ESPETÁCULOS AO VIVO:

 

ANO    TOTAL    TEATRO  CONCERTO  SHOW  ÓPERA  DANÇA  OUTROS 

 

64/24* 6060      4825        403          523      90       201        18    

 

25**        149        137          8              2         -          2          -

 

TOTAL  6209       4962        411          525       90       203       18

 

*DE 1964 a 2024

**2025 ATÉ 28/10/2025

 

Até esta data foram 4962 espetáculos teatrais a que assisti na minha longa jornada de 61 anos como espectador apaixonado.

Até o final deste ano ou no máximo até o início de 2026 eu assisto ao meu QUINTO MILÉSIMO (5.000°) espetáculo teatral e quero escolher um espetáculo bastante significativo para comemorar esse feito.

 TEATRO, TEMPLO DA UTOPIA E DA ESPERANÇA

O teatro é a única arte onde corações e mentes, emoções e razões, de artistas e público acontecem em perfeita sintonia em um momento único que nunca mais se repetirá.

VIVA O TEATRO!

 

28/10/2025

terça-feira, 28 de outubro de 2025

QUEDA DE BALEIA ou UM CANTO PARA DANÇAR MINHA MORTE

 

Foto de Danilo Apoena

“Naquela mesa tá faltando ele

E a saudade dele tá doendo em mim”

(Sergio Bittencourt) 

“Queda da baleia" (ou whale fall) é o termo usado para o fenômeno em que o corpo de uma baleia morta afunda e se torna um ecossistema complexo e sustentável no fundo do oceano, alimentando diversas espécies por décadas”

Com a morte do pai em 2022, Bruna Longo passou a enxergar a finitude de frente, a questionar como ela acontece materialmente e como se realizam os ritos fúnebres em diversas culturas e até entre os animais. Tudo isso para elaborar o luto.

Foi uma pesquisa profunda (como atesta a bibliografia constante do programa bastante informativo) e, segundo ela, bastante dolorosa chegando a afetar a sua saúde mental até o momento em que deu vazão a todo esse material por meio do teatro que é seu meio de expressão, resultando nesse denso e belo trabalho e que lhe trouxe a paz interior de volta.

 Bruna Longo é dona de uma potente voz e tem no seu corpo poderosa ferramenta para expressar os mais diversos sentimentos e é visceral em certos momentos como aquele em que descreve em detalhes o processo de decomposição de um corpo morto. Interpretação corajosa que se inscreve entre as melhores deste ano pródigo em excelentes trabalhos.

Essa peça, um ritual fúnebre, é apresentada na capela do Cemitério Redentor para apenas vinte pessoas que compartilham com a atriz o velório de Bruna Longo, personagem que é sósia/xará da atriz Bruna Longo e que faleceu exatamente no dia da apresentação.

Belo jogo teatral capitaneado pela incrível Bruna na interpretação, na direção, na dramaturgia, na cenografia e nos figurinos, auxiliada na direção por Vitor Julian.

E é assim:

Assim como a carcaça das baleias, a herança cultural deixada por pensadores, intelectuais, amigos e familiares alimenta as almas dos que ainda estão por aqui por muito tempo.

Um espetáculo que emociona e faz pensar.

Saiu de cartaz no dia 27/10, mas deve voltar no início do ano. Fique alerta para não perder.

28/10/2025

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

UM PEQUENO INCIDENTE

 

1.   Introdução

No dia 23/01/1992 um ex-companheiro e amigo muito querido pediu que eu fosse com ele ao médico buscar o resultado do exame de HIV. A espera na sala de espera pareceu uma eternidade até que ele foi chamado. Quando ele saiu do consultório, pelo seu semblante eu já percebi que o resultado tinha sido positivo. Naquela época, ainda sem a possibilidade do coquetel, um resultado como esse era sentença de morte, passando por todas doenças oportunistas que a baixa imunidade favorecia. Sua triste saga foi de dois anos vindo a falecer em 18/03/1994 muito magrinho com feições cadavéricas parecidas com aquelas que o Cazuza ficou. Uma caveirinha, como diria Nelson Rodrigues.

Relembrei esses tristes fatos no café do Teatro Vivo, ao ler o programa da peça “Um Pequeno Incidente” a que eu iria assistir a seguir; já estava preparado emocionalmente.

2.   Um Pequeno Incidente

Sinopse da peça de José Pedro Peter constante no programa:

 “Dois homens de personalidades opostas, se conhecem em um posto de saúde (SUS), enquanto aguardam seus resultados de teste rápido (HIV). Esse encontro, ao acaso, unirá os dois de uma forma inesperada e criará um laço entre eles por toda a vida”

A dramaturgia da peça de Peter é muito bem construída com bom desenvolvimento e diálogos ágeis e inteligentes. A trama é dividida em três momentos das vidas desses dois seres cheios de dúvidas, angústias e preconceitos.

O primeiro momento se passa na sala de espera do posto e mostra o embate entre duas pessoas com muitas diferenças na maneira de encarar o comportamento homossexual; enquanto um é conservador e monogâmico, o outro é aventureiro e até promíscuo.

O segundo momento se passa em uma reunião de dinâmica de grupo, algum tempo depois deles já saberem o resultado do exame.

O terceiro momento mostra o resultado do encontro de João com João (sim, eles têm o mesmo nome) e a volta da presença da morte entre eles.

Deixo de dar mais detalhes dos dois últimos momentos, para não tirar a surpresa dos futuros espectadores.

A direção enxuta e elegante de Marco Antônio Pâmio coloca os atores em um espaço vazio, onde o público, com poucas indicações, consegue usar a imaginação de maneira que só o teatro permite e visualizar os três ambientes onde se passa a peça.

Cerca de 40 pessoas (público) acompanha de perto o respirar de João e João.

Além daqueles para a direção de Pãmio e para a dramaturgia de Peter, APLAUSOS VIBRANTES também para as interpretações de Peter e Rafael Primot. A potência de Primot já é conhecida por outros espetáculos e Peter é uma grata surpresa. A entrega dos dois atores é apaixonante e comove o público até as lágrimas, mas em nenhum momento há um apelo melodramático na encenação tão bem conduzida por Pâmio.

UM PEQUENO INCIDENTE está em cartaz no agradável Espaço Convivência do Teatro Vivo às sextas e sábados (20h) e aos domingos (18h).

NÃO DEIXE DE VER! 

27/10/2025

domingo, 26 de outubro de 2025

AFTERPLAY

 

O que terá acontecido com aquele casal de pobretões que parte feliz em uma estrada no final do filme “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin? Continuaram felizes? Subsistiram?

E se, Romeu e Julieta não tivessem morrido, aquela paixão ia durar por quanto tempo?

        Quantas e quantas vezes, nós espectadores, nos vemos imaginando como terá sido o futuro de personagens de filmes ou peças de teatro. As cortinas fecham, as luzes acendem, mas aquelas criaturas criadas por dramaturgos, diretores e intérpretes continuam vivas em nossas mentes.

Brian Friel (1929-2015) foi um dramaturgo irlandês que tinha profunda identificação com a obra de Anton Tchekhov (1860-1904), tendo adaptado várias de suas peças (“As Três Irmãs”, “Tio Vanya”, “O Urso”) e no chamado período tardio de sua escrita (2002) cria “Afterplay”, peça em um ato onde procura responder aquela pergunta: o que terá acontecido com Sônia, personagem de “Tio Vânia” e com Andrey de “As Três Irmãs”, vinte anos depois do término das peças em que são personagens.

Sônia é uma personagem sofrida e introspectiva que tem uma célebre e comovente fala ao final de Tio Vanya. A Sônia de Friel é mais expansiva, capaz de boas gargalhadas, algo que não condiz com a imagem que tenho dessa personagem. Já Andrey na peça de Friel tem muito a ver com aquele marido passivo e indeciso de Natacha e irmão de Olga, Masha e Irina. Enfim, cada um tem sua visão desse imenso leque de personagens que habitam nossos palcos.

“Afterplay” (Depois da Peça? Depois dos Atos? Depois de Tchekhov?) promove um encontro entre Sônia e Andrey que procuram preencher lacunas de seus passados para poderem se comunicar. São duas figuras reticentes, que trocam palavras com cuidado, contam pequenas mentiras, logo depois desmentidas, mantendo longos silêncios entre uma fala e outra. O diretor Luiz Eduardo Frin procura manter um ritmo lento durante todo o espetáculo que se passa em torno da mesa de um restaurante.

A movimentação em torno da mesa poderia ser aumentada, evitando longas falas de costas para parte do público.

Bia Bologna e Luiz Eduardo Frin interpretam essas duas figuras com muita sensibilidade, compartilhando com o público presente a intimidade desse encontro. Um ator e uma atriz em pleno domínio de seus papeis no fazer teatral.

Espetáculo digno que merece ser visto. 


Em cartaz no Galpão do TAPA (Rua Lopes Chaves, 86 – Barra Funda) de 31/10 a 21/12, sextas e sábados (20h) e domingos (19h).

 

26/10/2025

sábado, 25 de outubro de 2025

A MÁQUINA, outra vez

 

Eu terminei a matéria que escrevi sobre “A Máquina” quando a assisti pela primeira vez em 13/10 com esta frase:

“O espectador termina a apresentação encantado e já pensando quando vai assistir de novo!”

E assim aconteceu em 24/10:

Assistir pela segunda vez a esta nova montagem de A MÁQUINA foi redobrar a emoção sentida, foi redobrar a crença que teatro vale a pena,  redobrar a atenção para as tantas camadas da trama, redobrar os aplausos para o engenhoso livro de Adriana Falcão maravilhosamente adaptado para a cena teatral por João Falcão e por ele dirigido, redobrar os aplausos também para a deliciosa participação de Agnes Brichta como a “mocinha” e finalmente redobrar meu entusiasmo por esses meninos que formam o Coletivo OCUTÁ e que brilham em cena desdobrando-se na criação da personagem Antônio da Dona Nazaré; são eles: Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto.

Esse tesouro teatral está em cartaz no Teatroiquê situado em um imponente edifício cultural no Butantã. Parece, mas não é difícil chegar por metrô até a Estação Butantã seguido de um aplicativo até o teatro ou tomando o ônibus Jardim Maria Luísa na Avenida Paulista, descendo a uma quadra do teatro.

GARANTO que a viagem vale a pena.

O espaço cênico está localizado em um imenso galpão com quatro arquibancadas que comportam 220 espectadores. Pelas quatro entradas entre as arquibancadas o elenco entra e sai da cena que é formada por um tablado redondo giratório. Existe tanta beleza e tanto dinamismo na movimentação dos intérpretes que é difícil descrever isso em palavras. Só vendo! Só vendo!!

A ARENA VAZIA
A ARENA CHEIA DE VIDA E DE TALENTO

Vinte cinco anos separam esta montagem da original que contou com a presença de Wagner Moura, Gustavo Falcão (que agora assina a codireção), Lazaro Ramos, Vladimir Brichta e Karina Falcão. A atual conserva o frescor e a beleza daquela de 2000.

O tempo, tema tão caro a João Falcão, é o centro desse mágico espetáculo.

Faço minhas algumas palavras do texto: 

Antônio viaja no tempo mesmo.

Não é Antônio?

É.

Viajou.

Foi meio demorado, mas chegou.

Seja bem-vindo.

Daí conte sua história de novo que o povo daqui

também merece saber”

E Antônio conta sua saga para um público apaixonado. 

Você, pessoa sensível que ama as artes e o teatro, não pode ficar indiferente e ausente dos momentos mágicos oferecidos por este espetáculo que honra e enriquece a história do teatro brasileiro.

Garanto que não há nenhum exagero nisso que acabo de escrever. É só conferir lá no Teatroiquê às quintas e sextas (21h), aos sábados (18h e 21h) e domingos (18h) até dezembro. 

25/10/2025

 

 

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

DE BRAÇOS ABERTOS – BEM MAIS QUE UMA LEITURA

Fotos de João Caldas

Introdução – O ovo ou a galinha?

Em 1984 a peça “De Braços Abertos” de Maria Adelaide Amaral comoveu o público paulistano em uma montagem primorosa dirigida por José Possi Neto e interpretada por Irene Ravache e Juca de Oliveira; a peça   ganhou vários prêmios e ficou em cartaz até 1985. Nela as personagens Luísa e Sérgio, ex-amantes, se reencontram depois de cinco anos e relembram a relação conturbada que tiveram e de pessoas que de alguma maneira participaram da vida deles como Rogério, ex-chefe e apaixonado por Luísa; Raul, um amigo gay; Mário, o ex-marido; Marga, uma amiga fiel e Paulo, uma paixão de Luísa na juventude.

Em 1986 Maria Adelaide lançou o romance “Luísa (Quase Uma História de Amor)” onde Luísa não aparece, mas é relembrada de várias maneiras na visão de Sérgio, Rogério, Raul, Mário e Marga. O romance foi vencedor do Prêmio Jabuti.

Duas maneiras de contar a mesma história. Pelas datas a peça antecedeu o romance, mas resta a dúvida de qual surgiu primeiro no pensamento de Maria Adelaide. Tanto a peça pode ter servido de base para o romance como o contrário. Só a autora vai poder um dia satisfazer essa minha curiosidade.

De Braços Abertos – A leitura

 

Esse belo exemplar da dramaturgia brasileira permaneceu na gaveta por 40 anos até que a atriz Nicole Cordery se apaixonou por ele e está disposta a montá-lo custe o que custar. O texto é consistente mostrando as facetas, as vezes muito cruéis, de um relacionamento com diálogos ágeis e inteligentes que adquirem vida ao serem ditos por bons intérpretes.

Na tarde chuvosa deste sábado, dia 18 de outubro de 2025, um privilegiado grupo teve a oportunidade de estar presente no Estúdio João Caldas para assistir a uma leitura bastante dinâmica do texto na interpretação apaixonada de Nicole como Luísa e Edu Guimarães como Sérgio, com direção de Bruno Perillo.


Ouvindo o texto depois de muito tempo faço as seguintes observações:

1.   Acredito que seria importante dar maior ênfase à personagem de Paulo, que parece ter sido um homem que se opôs à ditadura e ao governo militar. Essa ênfase pode dar um benéfico toque político à montagem.

2.A peça se passa em dois tempos e a montagem com cenários vai deixar mais clara essa diferença.

3. As citações de filmes, atores e locais antigos podem causar estranhamento no público mais jovem.

Muita emoção rolou tanto nos intérpretes como entre os espectadores. Lágrimas brotaram nos olhos de todos quando Luísa diz a belíssima frase final olhando para Sérgio:

- “O melhor, o mais surpreendente, o mais bonito, meu amigo, é a gente estar aqui e conseguir, depois de tudo, se olhar com tanta ternura.”

Rubrica: “Luísa e Sérgio se abraçam terna, carinhosa, saudosamente.”

Os aplausos só surgiram após um longo silêncio emocionado do público.

 A peça ainda tem muito a dizer nos dias atuais, pois relações humanas jamais ficam fora de moda e uma boa montagem com direção do Bruno e esses dois intérpretes vai com certeza provocar a mesma comoção de quarenta anos atrás, além de prestar uma justa homenagem a uma grande dramaturga brasileira que há muito tempo não tem um texto seu presente nos palcos paulistanos.

Atenção produtores, SESI, SESC, CCBB, Teatro VIVO, a peça para vocês fazerem sucesso e prestar um serviço para o teatro brasileiro já existe e está quase pronta. APRESENTEM – SE! 

19/10/2025

 

 

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

A MÁQUINA

 

ERA UMA VEZ:

- Quatro talentosos jovens atores à procura de um autor cuja peça estivesse à altura de “O Avesso da Pele”, espetáculo de enorme sucesso montado por eles em 2023.

ERA UMA VEZ:

- Um famoso autor/diretor à procura de elenco para remontar uma peça sua que foi a coqueluche do ano 2000 no Brasil Inteiro e que tinha quatro jovens no elenco.

Os deuses do teatro não se fizeram de rogados e promoveram o encontro do Coletivo Ocutá com João Falcão e o milagre do teatro novamente aconteceu e está aí A MÁQUINA em cartaz no Teatroiquê. 

O livro em que se baseia a peça de autoria de Adriana Falcão é um achado de originalidade e a adaptação teatral de João Falcão amplia ainda mais a criatividade do livro. A história é só aparentemente simples: Antônio, habitante de Nordestina, uma pequena cidade do interior do Brasil, viaja no tempo à procura de um mundo melhor para trazer para sua amada Karina. O tema “tempo” é muito caro para João Falcão como já havia acontecido com “A Dona da História” em 1999.

Antônio é interpretado pelos quatro atores que se revezam entrando e saindo de cena em um ritmo alucinante.

Cenograficamente a montagem (João Falcão e Vanessa Poitena) é bastante parecida com a original (João Falcão e Denis Nascimento) com um tablado redondo giratório e quatro entradas/saídas do elenco entre as arquibancadas. Tudo isso em um amplo galpão do excelente Teatroiquê.

Como já haviam amplamente demonstrado em “O Avesso da Pele” os integrantes do Coletivo Ocutá, Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto têm muito talento e excelente preparo físico fazendo de suas movimentações em cena quase um balé. "Ocutá" significa "pedra preciosa" em Iorubá. 

A preparação corporal está a cargo de Gustavo Falcão, que havia interpretado um dos Antônios na montagem de 2000.

Agnes Brichta (filha de Vladimir Brichta, que participou da primeira montagem) tem uma delicada participação em cena e, se minha memória não falha, a personagem tem papel mais relevante do que em 2000, dando um bem-vindo empoderamento para a mulher (Karina).

A montagem surge em cuidada produção com figurinos de Chris Garrido, iluminação de Cesar de Ramires, música original de DJ Dolores, trilha sonora de Ricca Viana e João Falcão e som harmoniosamente desenhado por Raul Teixeira, Edézio Aragão e Thiago Schin.

Bendito é o teatro brasileiro e privilegiados são os espectadores paulistanos que neste ano de 2025 puderam assistir a espetáculos memoráveis como “Cais ou da indiferença das Embarcações” (reprise) “Não Me entrego, Não”, “Restinga de Canudos”, “O Céu da Língua”, “Lady Tempestade”, “Velocidade” e agora esse verdadeiro momento mágico chamado A MÁQUINA!

O espectador termina a apresentação encantado e já pensando quando vai assistir de novo! 

Longa vida ao Coletivo Ocutá, essa pedra preciosa que surgiu em nossos palcos!

A MÁQUINA está em cartaz no Teatroiquê: quinta e sexta (21h), sábado (18h e 21h), domingo (18h).

IMPERDÍVEL!

Adultos e crianças vão se encantar com essa maravilha. 

14/10/2025

domingo, 12 de outubro de 2025

OLHOS NOS OLHOS

 

 

Um recital de Ana Lúcia Torre na companhia da poesia de Chico Buarque 

1.   Memórias de um espectador apaixonado.

No ano de 1965 eu estava no segundo ano de engenharia na FEI. Não gostava do curso e minimizava a frustração atuando no setor de cultura do Centro Acadêmico. Fiquei responsável de ir buscar os ingressos para “Morte e Vida Severina” que os alunos da FEI compravam.

Cada vez que eu ia levar o dinheiro e buscar os ingressos eu assistia à peça, encantado com aquela linda tradução cênica que Silnei Siqueira fez do poema de João Cabral de Mello Neto com música de um jovem que eu sempre via tocando na porta do “Bar Sem Nome” do Agostinho (quem viveu aquilo, sabe a que estou me referindo) na Rua Dr. Vila Nova, em frente às obras do que viria a ser o SESC Consolação, era um tal de Chico Buarque.

Entre tantas cenas que se tornaram antológicas havia uma que me tocava muito e que começava com uma pergunta do retirante Severino:

- “Muito bom dia, minha senhora, que nessa janela está.”

Nesse momento entrava em cena uma jovem atriz que com muita garra desfilava cantando sua profissão de a morte ajudar. Ao final da cena (“Só os roçados da morte cabem aqui cultivar”) aconteciam os primeiros aplausos calorosos em cena aberta que a montagem recebia. Foi o primeiro encontro de Ana Lúcia Torre com Chico Buarque. 

2.   Olhos nos Olhos 

Sessenta anos se passaram e hoje essa grande atriz que construiu uma brilhante carreira no teatro e na televisão reencontra Chico declamando com muita emoção as letras de suas canções.

Sérgio Módena elaborou uma bela dramaturgia costurando textos da vida de Ana Lúcia com as letras das músicas e ela o faz com seu costumeiro brilho quase sempre se dirigindo simpaticamente ao público. São os olhos nos olhos que o teatro é a única arte capaz de oferecer.

A direção de Módena é sóbria e totalmente focada na interpretação e na movimentação em cena da atriz no belo cenário criado por André Cortez e iluminado por Gabriele Souza. Ana Lúcia veste um belo figurino assinado por Fábio Namatame.

A atriz é acompanhada por Diógenes Junior ao piano.

O espetáculo todo é só emoção, mas o coração aperta mais nas interpretações que Ana faz de “Apesar de Você”, “Atrás da Porta”, “Meu Guri” e “Geni e o Zepelim”, nesses momentos se repetem os aplausos calorosos em cena aberta que ela recebeu há sessenta anos em “Morte e Vida Severina”.

Grande noite! 

OLHOS NOS OLHOS está em cartaz no Teatro Santos Augusta aos sábados (20h) e aos domingos (18h)

IMPERDÍVEL!


12/10/2025

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

CARTA À RAINHA LOUCA

 

Que beleza! Quanto talento feminino reunido para realizar esse belo e vibrante espetáculo que denuncia as barbaridades cometidas com as mulheres desde sempre.

A origem de tudo está em uma carta escrita no século XVIII em Olinda por Isabel das Santas Virgens para a Rainha Maria I de Portugal denunciando as violências cometidas pelos homens. Fica a curiosidade de saber se a rainha leu essa carta e muito menos se ela a respondeu.

De posse desta carta Maria Valéria Rezende (1942) - nascida em Santos, mas vive no Nordeste e celebrada autora do romance “O Voo da Guará Vermelha” - escreve o romance “Carta à Rainha Louca” que tem a carta como base, mas é recheado com uma vibrante ficção criada por ela.

E mais mulheres entram em cena: Lilian de Lima conhece a autora e se interessa em fazer um espetáculo a partir do livro; Bárbara Esmenia faz a adaptação teatral e Patrícia Gifford é convidada para dirigir o espetáculo tendo Fernanda Maia na direção musical e nos teclados. Lilian Lima se encarrega do papel principal e tem ao seu lado um coral cênico formado por treze intérpretes e mais duas musicistas. Um totas de 17 pessoas está em cena interpretando e cantando a saga de Isabel.

[Isabel>Maria Valéria>Lilian>Bárbara>Patrícia>Fernanda>Elenco]

Realmente um time de primeira grandeza, sem contar o grande número de mulheres presentes na ficha técnica.

Patrícia Gifford orquestra a presença do numeroso elenco preenchendo o palco de maneira harmoniosa.

Lilian Lima tem garra e energia para mostrar a violência contra a Isabel daquela época e contra as mulheres até os dias de hoje; tem dicção e emissão perfeitas (como é bom entender TUDO aquilo que um artista diz em cena!!) e canta com uma voz belíssima. Interpretação digna de elogios e de prêmios.

Todo o elenco também merece aplausos pela verdade e espontaneidade em cena.

Fernanda Maia brilha nos teclados e na direção musical, como sempre o faz.

Figurinos solares de Carol Gracindo e Thaís Dias são dignos de nota.

        Apesar dos graves problemas tratados, Patrícia dá um ar de leveza ao espetáculo com as canções entoadas pelo coro, bela luminosidade da cena e pela interpretação soberba de Lilian de Lima.

        CARTA À RAINHA LOUCA está em cartaz no SESC Bom Retiro só até o próximo domingo com sessões no sábado às 20h e  no domingo as 18h.

        NÃO PERCA!!

        10/10/2025

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

TEU SONHO NÃO ACABOU

 

Apolo devia estar muito iluminado na década de 1940 e com um olho na música do Brasil para ter feito nascer nestas terras Gilberto Gil (1942), Elis Regina (1945), Chico Buarque (1944), Caetano Veloso (1942), Maria Bethânia (1946), João Bosco (1946), Milton Nascimento (1942), Edu Lobo (1943), Leny Andrade (1943), Gal Costa (1945), Gonzaguinha (1945), Ivan Lins (1945) e Egberto Gismonti (1947).

Todos reverenciados pela mídia e muito lembrados pelo público, mas tem um artista tão valoroso quanto eles que a mídia parece esquecer e muito jovem não sabe que ele existiu.

Esse artista que a direita perseguiu censurando quase uma centena de suas canções e proibindo muitas de suas apresentações e  que a esquerda torceu o nariz alegando que sua música era alienada, hoje estaria fazendo oitenta anos, infelizmente ele partiu muito antes em 1996 com apenas 50 anos.

Taiguara Chalar da Silva nasceu em 9 de outubro de 1945 em Montevideu, filho do bandoneonista brasileiro Ubirajara Silva e da cantora de tangos uruguaia Olga Chalar.

O nome TAIGUARA em tupi guarani significa LIVRE e esse artista honrou esse nome com sua maravilhosa obra cheia de poesia, mas com o dedo apontado para as truculências da ditadura militar. Ouso dizer que ele foi o artista que na época melhor soube dosar o romantismo com a denúncia política. 

“Essa pequena agora eu sei porque é que ela me amarra
Ela tem medo do berro dos acordes da guitarra
Ela pretende fechar a minha porta com seus grilos
Ela não sabe que versos ninguém pode destruí-los
 

Essa pequena eu quero trabalhar e ela não deixa
Essa pequena eu quero dar amor e ela se queixa
Ela se engana depois vem censurar minha conduta
Essa pequena não passa de uma vã...
Não tem a mente sã essa pequena”
 

Essa música que faz parte do disco “Fotografias” de 1973, é só

um exemplo da dualidade das letras de Taiguara. Há alguma dúvida quem é essa pequena?

        No álbum “Ymira, Tyra, Ipy”, obra prima de 1976 que conta com a participação de Wagner Tiso e Hermeto Paschoal, o artista é mais direto na canção “Situação”:

        Não, não adianta não

         A situação já está fora das suas mãos

         Como é que você vai me dar

         O que já e meu

         Como é que você vai criar

         O que já nasceu “

         E fecha o disco com os versos de “Outra Cena”:

         “O santo a seca o sertão

         O filho morto nas mãos

Família fome facão

A grana o gado o ladrão

O pau o podre o país

Amado o medo a matriz

Só não sofreu

Quem não viu

Não entendeu

Quem não quis” 

NÃO ENTENDEU, QUEM NÃO QUIS! Claro que os milicos entenderam e proibiram o disco logo depois de ser lançado.

Mas o Taiguara romântico está presente em tantas outras canções maravilhosas como “O Universo do Teu Corpo” (uma das primeiras músicas a insinuar uma relação gay: “Que meu porto, meu destino, meu abrigo São teu corpo amante, amigo em minhas mãos”), “Hoje”, “Teu Sonho Não Acabou”, “Mudou” e tantas outras que não caberiam nesta matéria.

Está mais que na hora de resgatar a memória desse importante artista que clamou: 

“Eu não queria a juventude assim perdida” 

E foi porta voz do grito dos gaúchos Arthur Verocai e Geraldo Flach na pouco conhecida (e linda!!) “Um Novo Rumo” (1968): 

“Vou pra luta, agora eu vou! Não paro não” 

Enquanto houver quem ouve e canta suas canções, pode ter certeza Taiguara, que TEU SONHO NÂO ACABOU!

VIVA TAIGUARA NO DIA DOS SEUS OITENTA ANOS!!

9/10/2025

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

DUAS MÁSCARAS NUAS

 


UMA NOITE DE BOM TEATRO

        Faz muito bem ao espectador assistir a um bom texto, bem dirigido e interpretado por um elenco de notáveis. Assistir a um espetáculo do “Grupo Tapa” é certeza de ter uma tríade com essas características.

        “Duas Máscaras Nuas” é a reunião de dois textos curtos de Luigi Pirandello (1867-1936): “Cecé” (1910) é uma comédia dos primeiros anos do autor como dramaturgo e “O Homem Com A Flor na Boca” (1922) é um drama escrito logo após de “Seis Personagens à Procura de Um Autor”, marco na carreira de Pirandello.

        “Cecé” mostra as peripécias de um aproveitador que aplica golpes em quem está por perto. O Tapa fez uma versão on line desta peça na época da pandemia (novembro de 2020), mas a versão ao vivo ganha em ritmo, ironia e humor com ótimos desempenhos de André Garolli, Norival Rizzo e Camila Czerkes. O sugestivo cenário rodeado de espelhos parece transmitir a relatividade da verdade, tão cara ao dramaturgo italiano.

        Após um breve intervalo é a vez de “O Homem Com a Flor na Boca”, em um cenário limpo apenas com duas mesas e duas cadeiras onde acontece o encontro do homem do título (Norival Rizo) e um passageiro que aguarda a chegada do seu trem (André Garolli).

        Eu tenho um bauzinho onde guardo com muito cuidado a memória de muitos momentos mágicos e humanos que o teatro me oferece há 60 anos. A belíssima cena em que a personagem de Norival descreve como uma vendedora faz um embrulho de presente foi uma das coisas mais incríveis e belas a que presenciei nesta longa trajetória como espectador e com certeza ela já está guardada no meu bauzinho. Só por esta cena, Norival deveria receber prêmios de melhor ator do ano.



      O passageiro (Garolli) é um ouvinte nem sempre atento, mas também incrédulo, com a conversa do homem e ver as suas reações em cena são um espetáculo a parte.

        Ao final, comentei com Garolli que para ele deve ser um privilégio assistir a cada apresentação a performance de Rizo. É uma verdadeira aula de interpretação!

        As duas peças são dirigidas por Eduardo Tolentino de Araujo com a elegância e o rigor que lhe são habituais.

        De lambuja, Tolentino faz uma muito bem-vinda mini palestra no início sobre a vida e a obra de Pirandello, situando e comentando as duas peças apresentadas.

        Grande noite de teatro ocorrida no aconchegante Galpão do Tapa, sede da companhia situada na Rua Lopes Chaves, 84 na Barra Funda.

        DUAS MÁSCARAS NUAS fica em cartaz até o final da próxima semana com sessões sábado e domingo à 20h.

 

        6/10/2025

domingo, 5 de outubro de 2025

FILOCTETES EM LEMNOS

 

Ontem assisti à performance de Vinicius Torres Machado no TUSP. Experiência rara, e acredito única, na trajetória de um espectador bastante calejado. Sai do teatro confuso e muito tocado por aquela figura nua, muda e isolada do mundo.

Ao chegar em casa comecei a ler o livreto distribuído ao fim do espetáculo que é, segundo Vinicius, “a realidade da matéria viva que originou o espetáculo”. Li a metade do volume e já bastante perturbado fui dormir com medo de perder o sono diante da descrição de tantas dores físicas e morais. Na manhã deste domingo ensolarado terminei de ler e compreendo melhor aquilo a que assisti na noite de ontem. Dilacerante!

O espetáculo remete ao mito de Filoctetes que ficou abandonado pelos gregos   na ilha de Lemnos, após ser mordido por uma serpente e suas feridas exalarem mau cheiro. Filoctetes passou nove anos isolado sofrendo muito com suas dores terríveis e sua solidão. A experiência de Vinicius com as dores terríveis que a doença lhe trouxe e a solidão pelos quartos de hospital pelos quais passou fez com que ele se aproximasse do mito grego e desenvolvesse esse trabalho radical sem palavras e com movimentos mínimos e até infantis quando tenta se comunicar com a escuridão que tem pela frente e é muito doído para o espectador fazer parte dessa escuridão.

Depois de alguns anos Filoctetes foi resgatado pelos gregos para lutar na guerra de Troia e Vinicius “resgatou-se” para a vida e hoje tem condições e muita coragem de apresentar esse trabalho ao público. De alguma maneira não deixam de serem finais felizes.

O espetáculo é esteticamente muito bonito com iluminação precisa e deslumbrante assinada por Dimitri Luppi e Wagner Antônio.

Depois de uma hora, Vinicius cobre seu corpo e senta-se na cadeira em que iniciou o trabalho. As meninas da produção abrem as portas do teatro dando sinais que o espetáculo terminou, mas o público demora a abandonar o espaço e mesmo lá fora, ainda sob o impacto daquilo que presenciou, fica vagando enquanto recebe o livreto que complementa essa obra tão radical e tão importante para compreendermos nossos corpos e nossas almas.

Esse precioso espetáculo fica em cartaz só até hoje (5/10) no TUSP Maria Antonia.

CORRA!! 

5/10/2025

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

ADULTO

 

Foto de Julieta Bacchin

“Então foram felizes para sempre...” 

Fran Ferraretto é uma bela mulher de pouco mais de 30 anos que ousa dizer que na maioria das vezes esse final está longe de ser feliz, se é que há um final.

Para tanto monta a dramaturgia da peça “Adulto” com dois casais: um deles bastante disfuncional (João e Sara) e o outro (Vitor e Paula) que mantém sua harmonia (e felicidade?) quando cada um preserva sua individualidade e sua liberdade. Esses dois casais se conhecem e se encontram em reuniões barulhentas e nem sempre amigáveis. As mulheres parecem se dar bem, mas há ciúmes e inveja de João em relação ao sucesso profissional de Vitor. Está montada a estrutura para Fran mostrar a emancipação da mulher.

Em recurso dramatúrgico não original, mas muito interessante, a peça reúne quatro intérpretes para fazer uma leitura dessa peça que fala sobre os dois casais. A apresentação transcorre entre a leitura da peça e cenas da própria peça provocando um bem-vindo dinamismo à montagem.

O texto é nervoso e a direção de Lavínia Pannunzio reforça ainda mais esse nervosismo imprimindo muita velocidade, principalmente nas cenas de conjunto onde o elenco grita, corre para lá e para cá e muitas vezes fala simultaneamente, além de estar acompanhado pelo barulho ensurdecedor de uma máquina de lavar roupa.

Iuri Saraiva representa João, o frustrado marido de Sara, oscilando entre o sentimento de ser traído por ela e a revolta com as atitudes liberais da mulher.

Sidney Santiago Kuanza empresta seu talento para interpretar Vitor, o amigo melhor sucedido de João de quem este tem inveja.

Jennifer Souza tem seus bons momentos como a emancipada Paula prejudicados pela voz muito estridente que, por vezes, dificulta a compreensão daquilo que ela está falando.

Fran Ferraretto brilha como a líder do grupo que faz a leitura e a personagem de Sara que depois de seu caso/traição no Uruguai enxerga os relacionamentos com outros olhos.

De um modo geral as interpretações são muito boas, apesar de gritadas demais. Alguns momentos de silêncio soaram como um bálsamo para este espectador.

A montagem conta com o cenário de Mira Andrade (uma grande mesa e cadeiras com várias funções), desenho de luz de Gabriele Souza, figurinos de Anne Cerutti e os terríveis ruídos da máquina de lavar roupa (quase uma personagem!) na trilha sonora assinada por Rafael Thomazini.

Pela importância do tema tratado é importante prestigiar a peça de Fran Ferraretto. 

ADULTO está em cartaz no SESC Ipiranga até 12/10 às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 18h 

3/10/2025