sexta-feira, 28 de novembro de 2025

SABIUS, OS MOLEQUES

 

Gerald Thomas em suas montagens sempre procura mostrar seu nível intelectual, seus conhecimentos do mundo e de muitas personalidades (curiosamente, neste espetáculo, ele não cita sua relação com Samuel Beckett, nem exibe a famosa foto dos dois conversando em um café de Paris!), mas ele não o vem fazendo com empáfia e arrogância, pelo contrário, o espetáculo é bastante acessível e muito bem humorado e conta com a incrível participação de Fabiana Gugli e a surpresa que é o ótimo Jefferson Schroeder.

Impossível fazer uma sinopse do caos que é um trabalho de Thomas: o início com ele fazendo a percussão e Fabiana descabelada urrando que decapitaram sua ave é um sinal do que vem a seguir: cinco pessoas mascaradas perambulam por um espaço inóspito e depositam uma bola/um ovo? em uma cesta e realizam diálogos ou monólogos de como anda mal a humanidade, sempre recorrendo ao tempo presente ou passado.

Esse jogo se o presente é melhor ou pior do que o passado me fez lembrar uma situação criada por Millôr Fernandes onde um grupo vivendo em um tempo caótico comenta que num tempo futuro ao recordar esse caos poderá comentar: “BONS TEMPOS AQUELES!”

Como uma ópera, a movimentação do elenco segue passo a passo a fantástica trilha sonora assinada por Thomas e Marcelo Alonso Neves, que vai desde uma Ave Maria em ritmo de samba, passa por Tom Zé e culmina com o suntuoso final da Sinfonia nº 2 de Mahler.

O cenário de fim do mundo de Fernando Passetti iluminado dignamente com a mestria habitual de Wagner Pinto e os figurinos cinzentos de João Pimenta formam o clima perfeito para aquilo que Thomas quer mostrar. Diga-se que a peça tem um visual belíssimo.

As cenas se sucedem de forma irregular sem uma sequência narrativa, com altos e baixos, sendo que os melhores momentos são os monólogos de Fabiana Gugli (sempre uma presença poderosa que cabe como uma luva aos propósitos de Thomas, com direito até uma ascensão em cena) e do surpreendente e muito engraçado Jefferson Schroeder. Completam o elenco Apollo Faria, Nilson Muniz e Pedro Inoue.


O encenador faz justas homenagens a Zé Celso e a Tom Zé que estava presente na estreia em outro momento digno de nota.

A encenação termina de maneira apoteótica ao som da Sinfonia “Ressurreição” de Mahler com os intérpretes numa ascensão rumo talvez a um mundo melhor. Final feliz? Pena que a cortina se fecha antes do término da emocionante melodia.

Quanto ao título “Sabius, os Moleques” que atire a primeira pedra, quem o decifrar!

“Decifra-me ou ignoro-te” parece ser o pensamento de Gerald Thomas.

Espetáculo a ser conferido em cartaz no SESC 14 Bis até 21 de dezembro de quinta a sábado, 20h e domingo, 18h.

28/11/2025

terça-feira, 25 de novembro de 2025

LOKONA



1.   INTRODUÇÃO

A loucura já rendeu muitas obras de arte.

Na música, como não lembrar da “Balada do Louco” (1972) de Arnaldo Baptista e Rita Lee e da inimitável “Balada Para Un Loco” (1969), poema do argentino Horacio Ferrer eternizado pela música de Astor Piazzolla?

No teatro, basta citar “Marat Sade” de Peter Weiss e no cinema o memorável e poético “Esse Mundo É dos Loucos” (Le Roi de Coeur) de Philipe de Broca.

Sem esquecer de toda a obra de Nise da Siveira.

De alguma maneira todas essas obras têm em sua origem o livro “O Elogio da Loucura” escrito em 1508 pelo holandês Erasmo de Rotterdam onde a deusa Loucura chega a exclamar: “Quanto mais contrária ao bom senso é uma coisa, tanto maior é o número dos seus admiradores, e constantemente se vê que tudo o que mais se opõe à razão é justamente o que se adota com maior avidez. Perguntar-me-eis por que? Pois já não vos disse mil vezes? É porque quase todos os homens são malucos.”[9]

Encerro esta introdução citando uma frase de Samuel Beckett contida no insuperável “Esperando Godot”:

Todo mundo nasce louco, só que alguns permanecem”

 

2.   LOKONA

Todas essas referências me vieram à mente ao assistir a irreverente encenação de Dino Bernardi inspirada na obra de Rotterdam brilhantemente adaptada para o teatro por ele e por Eduardo Akiyama.

Dino optou por uma versão tropicalista (carnavalizada, segundo suas próprias palavras) colocando a loucura que tem o nome de LouLou Divine em um programa televisivo apresentado por um mestre de cerimônias tão louco quanto ela!

Após uma breve introdução do apresentador, LouLou entra em cena com uma roupa amarela extravagante, envolta em um enorme boneco inflável declamando “Quando Ismália Enlouqueceu”, o poema de Alphonsus de Guimaraens.

O clima do espetáculo, impregnado de um delicioso deboche, está criado e o público já se envolveu; a partir daí é só acompanhar as peripécias de Lou Lou acompanhada por um, às vezes incrédulo, apresentador. Tudo isso acompanhado pelas músicas, também irreverentes, tocadas ao vivo por Fábio Evangelista. Sucedem-se cenas hilárias como aquela das perguntas ping pong e aquela do caleidoscópio. Ao final fica a pergunta: Quem são os loucos nesta modernidade ensandecida?

A extravagância da encenação só podia contar com interpretações também extravagantes e Karina Giannecchini e Fernando Aveiro o fazem de maneira brilhante. A garra e a energia de Karina são de tirar o fôlego.

Rir sempre nos faz pensar em quanto estamos rindo de nossa própria desgraça.

Felizmente somos desgraçadamente loucos.

Não se assuste com o título da peça, ele tem tudo a ver com aquilo que se vê no palco.

Divirta-se e pense a respeito.

 

LOKONA está em cartaz no aconchegante Teatro Manás Laboratório de segunda a quarta às 21h até 17 de dezembro.

 

25/11/2025

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

OS VENCEDORES

 

Foto de Victor Otsuka

Servilismo, arrivismo, ganância por dinheiro e bens materiais podem ser assuntos de uma comédia? Leonardo Cortez e Pedro Granato dão provas que sim.

Essa “Trilogia da Fuga” formada por “Pousada Refúgio” (2018), Veraneio (2023) e “Os Vencedores” (2025) tem o poder nos fazer rir de nossas desgraças; na ocasião em que assisti a “Pousada Refúgio”, escrevi: “Ri-se muito durante o espetáculo, risos até nervosos, por mexerem com valores do nosso cotidiano. Ao final, porém, resta aquele gosto amargo na boca da maioria dos brasileiros que tem seus sonhos destruídos por uma realidade cruel

E essa sensação está mais presente ainda em “Os Vencedores” que desde o título revela uma trágica ironia, pois todas as personagens, incluindo o chefe milionário, são, de uma maneira ou de outra, perdedores.

Sinopse da peça contida no programa “Na noite de comemoração de casamento o casal Chico e Maria Rita se vê obrigado a socorrer o patrão do marido Luiz Otávio acometido de um mal súbito

O maior perdedor é Chico, um homem medíocre que vive em função de bajular o chefe, concordando com tudo como uma perfeita “vaquinha de presépio”. No momento em que tenta recuperar a sua dignidade é muito tarde e ele acaba tendo um fim trágico, semelhante àquele de São Sebastião; sua mulher Maria Rita tem uma trajetória inversa, inicia dignamente contestando a presença do chefe do marido em sua casa, mas cede ao puxa saquismo/servilismo no momento em que vê oportunidades de benefícios vindas de Luiz Otávio. O filho frustrado do casal (Bernardo) também tenta se beneficiar das benesses do homem rico. Há também a presença de Rivânia, simpaticíssima na aparência, que se revela uma arrivista de primeira grandeza. Finalmente Luiz Otávio, que tem poder e dinheiro, mas uma vida pessoal frustrada e amargurada. Enfim... TODOS PERDEDORES!

E é nesse clima trágico que Cortez e Granato nos fazem rir, mas também refletir de que maneira rasteja a humanidade. Para tanto contam com o ótimo elenco formado por Gabriel Santana (Bernardo), Glaucia Libertini (impagável como Rivânia), Lena Roque (a tensa Maria Rita), Leonardo Cortez (Chico) e Luciano Chirolli que deita e rola na composição do perverso, porém patético, Luiz Otávio.

Leonardo Cortez vem nos brindando com esse tipo de texto desde o memorável “Maldito Benefício” de 2014 e promete três novos trabalhos para 2026 que serão muito bem-vindos e dramaturgia brasileira agradece! 

OS VENCEDORES está em cartaz no SESC Ipiranga até 14/12: sextas e sábados, 20h e domingos, 18h. 

24/11/2025

domingo, 23 de novembro de 2025

ALICES

 

Jarbas Capusso Filho inicia sua peça em um clima beckettiano e entrega aos poucos a razão daquelas duas Alices estarem naquele local indefinido vestidas iguais, com o mesmo penteado e tendo muitas outras coisas em comum.

A denúncia da violência dos homens com as mulheres é o mote principal da peça, mas Capusso trata o assunto de maneira bastante original e surpreendente.

Joana Dória responde com muita criatividade à tradução cênica do texto, sendo responsável também pelos figurinos e pelo cenário, o qual deve remeter ao que ela imagina como deve ser aquele “local indefinido”. O desenho de luz de Henrique Andrade e a instigante trilha sonora de Pedro Semerighi se somam às intenções da diretora.

Nicole Cordery, em mais um momento marcante de sua rica trajetória responde mais uma vez por uma personagem chamada Alice, neste caso é uma mulher   realista e cansada de sonhar; por outro lado a outra Alice, em significativa interpretação de Fábia Mirassos (que nos surpreende a cada novo trabalho), é doce e ainda acredita que seu Godot está para chegar.

Uma embalagem com plástico bolha está presente em toda a ação e vai ser a estrela da comovente cena final onde tomamos conhecimento das milhares de Alices que sofrem agressões em suas vidas.

Alices deve ser assistida com muita atenção e servir de alerta contra atitudes que a sociedade machista insiste em perpetuar. 

Trata-se de uma peça feminista sem os cacoetes e clichês muito comuns em espetáculos do gênero.

ALICES está em cartaz no SESC Pinheiros até 13 de dezembro com sessões de quinta a sábado às 20h30. 

23/11/2025

 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

O MERCADOR DE VENEZA

 

Foto de Ronaldo Gutierrez 

Se nos piscarem, não sangramos?

Se nos fizerem cócegas, não rimos?

Se nos envenenarem, não morremos?

Se nos ultrajarem, não nos vingamos?

O discurso/desabafo do judeu Shylock pouco antes do final da peça, talvez seja o cerne de “O Mercador de Veneza”, essa potente obra de Shakespeare (1564-1616), ora revisitada e discretamente atualizada pelos olhos atentos de Bruno Cavalcanti, tradutor e adaptador do original.

Ali fica claro que a obra não é antissemita como muitos chegaram a declarar, pelo contrário, é um libelo contra o preconceito, no caso contra os judeus, mas poderia ser contra os negros, os homossexuais ou qualquer outro grupo que não se encaixe nos padrões da “dita” civilização branca.  Está aí a grandeza da obra de Shakespeare, que continua a dizer coisas e cutucando depois de mais de quatro séculos. Talvez por ter um final feliz, até um pouco forçado e artificial, a obra, escrita entre 1596 e 1597, é classificada como comédia, mas encerra temas bastante dramáticos que afetam a humanidade como vingança, guerra, oportunismo, ganância e o já citado preconceito.

A encenação de Daniela Stirbulov é límpida e muito fiel ao texto, utilizando o espaço do Tucarena como poucos espetáculos ali realizados conseguiram fazê-lo, valendo-se do prático cenário criado por Carmem Guerra, do excelente desenho de luz de Wagner Pinto e Gabriel Greghi e da dinâmica direção de movimento de Marisol Marcondes que não deixa o elenco ficar de costas por muito tempo para nenhum lado da plateia.

O elenco coeso e talentoso completa esse excelente espetáculo: Gabriela Westphal brilha tanto como Pórcia como a mesma travestida do juiz que muda o rumo do julgamento; Cesar Baccan interpreta o mercador Antônio, antissemita predador; Marcelo Ullmann é Bassânio, oportunista e ganancioso é amigo e algo mais de Antônio; Amaurih Oliveira tem garra e graça tanto como o Príncipe de Marrocos como Lorenzo; Rebeca Oliveira tem a brejeirice de Nerissa; Marisol Marcondes interpreta Jéssica, a filha de Shylock; Marcelo Diaz marca presença cômica como o empregado Lancelotte, assim como Thiago Sak como Príncipe de Aragão; Renato Caldas dá dignidade à personagem de Solânio, amigo de Antônio; palmas para Augusto Pompeo e Junior Cabral que emprestam suas potentes vozes para , respectivamente, o Duque e Graciano

E um parágrafo especial sobre Dan Stulbach: por meio de poucas falas com sotaque levemente carregado, muitos silêncios e gestual contido onde mãos e dedos têm grande destaque ele constrói a personagem de Shylock de maneira primorosa com muita verdade e humanidade. Mais um dos grandes trabalhos de ator desta rica temporada de 2025.

A ficha técnica revela o cuidado da produção na escolha dos profissionais que integram a montagem, cabendo destacar o nome do especialista shakespeariano Ricardo Cardoso, como consultor sobre a vida e a obra do bardo.

O programa impresso da peça, além de muito bonito, contém importantes textos sobre a obra.

Com grande afluência de público, o espetáculo deve estender a temporada até 2026, reestreando no mesmo espaço no final de janeiro.

Grande momento de nosso teatro!

NÃO PERCA 

17/11/2025

 

domingo, 16 de novembro de 2025

JUEGO DE NIÑOS

 

 

Elas queriam livrar-se do pesadelo

            da guerra que na acabava mais

                   e algum dia chegar

                   a uma terra de paz.

(Cruzada das Crianças - Bertolt Brecht) 

Essa foto de dez anos atrás de uma criança morta em uma praia da Turquia chocou o mundo e fez muita gente pensar que esse fato poderia mudar as cruéis políticas de imigração administradas por aqueles que se acham donos das fronteiras. Depois de uma década pode-se constatar que nada mudou ou até piorou.

As três crianças mostradas em “Juego de Niños” de Newton Moreno foram jogadas pelo muro por seus pais para o lado norte americano, pensando em um futuro melhor para elas, mas seus destinos foram as prisões que infestam a região próxima à fronteira.

Nessas prisões elas mofam à espera de uma adoção ou com a esperança remota de reencontrarem seus pais.

Na peça de Moreno elas respondem pelo nome dos países de onde vieram e são interpretadas por três adultos da terceira idade: México, menino de oito anos (Genézio de Barros); Honduras, menina de onze anos (Vera Mancini) e Nicarágua, menino de traze anos (Luiz Guilherme).

Engaioladas em um cubículo elas se distraem brincando com jogos infantis enquanto aguardam alguma porta da esperança se abrir, o menino de oito anos ainda espera reencontrar o pai, enquanto o mais velho não crê em finais milagrosos para eles, a menina se equilibra entre os sentimentos dos dois meninos.

Em um texto enxuto e preciso de 55 minutos Moreno expõe, com a poética e a delicadeza que lhe são peculiares, a crueldade de um sistema perverso que não isenta nem as crianças de suas garras.

O cenário de Eliseu Weide formado por grades que se deslocam é funcional e produz efeito bastante interessante. A iluminação sempre precisa de Caetano Vilela reforça o ambiente opressivo e claustrofóbico da prisão onde se passa a trama.

O maior mérito do espetáculo está na interpretação do elenco, que em momento algum usa de recursos “nhem, nhem, nhem” para mostrar que são crianças. Os figurinos (de Lara Morgana), alguns adereços (a boneca, o sorvete) e no máximo uma chupada de dedo são suficientes para o público sentir que está assistindo a crianças, envelhecidas pela tristeza do abandono. A preparação corporal assinada por Lu Grimaldi é fator importante para esse resultado.

Aplausos para Genézio, Vera e Luiz Guilherme.

Bernardo Bibancos é um jovem diretor que sabe o que faz, harmonizando todas essas funções teatrais com resultado surpreendente. Entusiasma assistir a um trabalho que, realizado com pequenos recursos, obtenha tão grande resultado.

JUEGO DE NIÑOS cumpriu pequena temporada no Itaú Cultural, mas reestreia no Teatro Estúdio de 18/11 a 09/12 às segundas e terças às 20h.

IMPORTANTE/NECESSÁRIO/IMPERDÍVEL!

16/11/2025

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

TEATRO ESTÚDIO

 

Com programação de primeiríssima qualidade, espaço cênico bastante maleável abrigando as mais diversas concepções cênicas, café aconchegante na sala de espera e acolhimento simpático por parte de Alexandre Galindo, Daniel Marano e Lucas Asseituno, o Teatro Estúdio vem se tornando um dos espaços teatrais mais simpáticos e concorridos da cidade.

Nestes últimos dias estão cartaz “Novas Diretrizes Em Tempo de Paz”, o magnífico novo trabalho de Eric Lenate / “Mary Stuart”, o monumento do teatro essencial de Denise Stoklos que mantém o frescor e o vigor depois de 40 anos de sua estreia / “Um Fax Para Colombo, leitura dramática também com Denise Stoklos / “Veneno”, com interpretações marcantes de Cleo Paris e Alexandre Galindo / “Real Politik”, sucesso de Daniela Pereira de Carvalho que vem atravessando toda a temporada de 2025. Programação para ninguém botar defeito.

“Juego de Niños”, “Tráfico” e “Escuta as Feras” são alguns dos espetáculos de inquestionável valor artístico que estão programados para entrar em cartaz no teatro e muita coisa boa vem por aí, segundo Galindo.

Inaugurado em fevereiro de 2023 como “Gênese – Estúdio de Criação”, foi rebatizado como “Teatro Estúdio” em julho do mesmo ano e por ali já passaram, segundo Marano, 22 de espetáculos.

Localizado na Rua Conselheiro Nébias, próximo ao Terminal Princesa Isabel e à Estação Santa Cecília do metrô o teatro revitalizou e tornou mais bonito um local até então inóspito.

LONGA VIDA AO TEATRO ESTÚDIO!

 

14/11/2025

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

5000!

 

A 5.000ª VEM AÍ

Tudo começou em 1964 com “Quatro Num Quarto” e “Pequenos Burgueses”, duas peças russas no Teatro Oficina, depois veio “O Ovo”, vaudeville francês que inaugurou o Teatro Aliança Francesa e finalmente “Depois da Queda”, drama de Arthur Miller com Maria Della Costa e Paulo Autran. O vírus de Dionisio me pegou e não largou mais.

São sessenta e um anos percorrendo os teatros de São Paulo, do Rio de Janeiro e dos locais por onde viajei. Teatros abriram na cidade de São Paulo, muitos outros fecharam. Novas vozes surgiram e outras se calaram.

Enumero abaixo as peças de “número redondo”: 

500 – 1978 – MACUNAÍMA – ANTUNES FILHO – THEATRO SÃO PEDRO 

1000 – 1994 -A GAIVOTA – FRNCISCO MEDEIROS – CCSP 

1500 – 2003 – PEQUENO SONHO EM VERMELHO – FRANSCISCO MEDEIROS – TEATRO ANCHIETA 

2000 – 2008 - O CAMINHO PARA MECA – YARA DE NOVAES -   SESC IPIRANGA 

2500 - 2012 – MARIA DO CARITÓ – JOÃO FONSECA – FAAP 

3000 – 2015 – DE TEMPO SOMOS – SIMONE ORDONES e LYDIA DEL PICCHIA – SESC SANTANA 

3500 – 2017 – A VISITA DA VELHA SENHORA – LUIS VILLAÇA - SESI 

4000 – 2020 – BRINCANDO COM FOGO – EDUARDO TOLENTINO – TEATRO ALIANÇA FRANCESA 

4500 – 2022 – ONDE VIVEM OS BÁRBAROS – W. MOTA – SESC POMPEIA 

E QUAL SERÁ A

5000 ???

Faltam 28! 

13/11/2025

 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

 

Cego é aquele que não quer ver

(Dito popular) 

        Eu conheço o “Grupo Galpão” desde 1993 quando assisti pela primeira vez sua versão de “Romeu e Julieta” dirigida por Gabriel Villela, desde então creio ter assistido a todas suas montagens, inclusive uma inesquecível apresentação de “Romeu e Julieta” no “Shakespeare Globe Theatre” de Londres no ano 2000.

        Uma característica desse querido grupo mineiro é trocar de encenador a cada nova montagem. Além de Villela, já assinaram a direção de espetáculos do grupo Cacá Carvalho, Paulo José, Paulo de Moraes, Jurij Alschitz, Yara de Novaes, Marcio Abreu, além de integrantes do grupo, Eduardo Moreira, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia e Simone Ordones. O grupo troca de roupa, mas o corpo permanece com a mesma personalidade, afinal o que seria um espetáculo do Galpão sem a Simone Ordones tocando trombone e sem a presença luminosa de Teuda Bara? E assim acontece com “(Um) Ensaio Sobre a Cegueira” baseado no livro de José Saramago. Há o toque vibrante de Rodrigo Portella na direção, mas o Galpão está ali, quase inteiro, de corpo e alma. Quase inteiro porque Teuda não participa desta montagem.

        O primeiro ato, em parte interpretado e em parte narrado, mostra a primeira pessoa a ficar cega no trânsito, a reação dos transeuntes com o fato, o médico oftalmologista que o cego consulta e que também adquire a cegueira e a série de pessoas que vai ficando cega. Constatada a epidemia e sendo a cegueira facilmente transmissível as autoridades resolvem isolar os cegos em um antigo manicômio desativado.

        O segundo ato passa-se no isolamento e ali com o número cada vez maior de cegos instaura-se o medo, a insegurança e a falta de saciar necessidades primárias como a fome. Com tal cenário abole-se a solidariedade e o sentido de comunidade.  A subsistência cria um individualismo exacerbado que gera clima de tensão entre todos os envolvidos. Pessoas do público previamente selecionadas, participam vendadas deste ato.

Além disso as autoridades, de quem só se ouve as ordens, ameaçam matar quem ultrapassar os limites impostos. Em certo momento eles exigem que as mulheres lhes prestem serviços sexuais em troca de alimentos para o grupo. Um dos momentos mais belos do espetáculo ocorre após a volta das mulheres, quando uma delas é escolhida para ser lavada/purificada pelas outras. Totalmente inerte ela vai sendo ensaboada e envolvida. Na forma, essa cena me remeteu a outra de um trabalho de Pina Bausch onde uma mulher também inerte vai sendo apalpada e envolvida por inúmeros homens.

Este segundo ato que ocupa a maior parte do espetáculo é bastante tenso e claustrofóbico, dando margem a intensas participações de todo o elenco.

Sem querer ser desmancha prazer apenas escrevo que o final distópico do livro quando o grupo recupera a visão e sai à rua encontrando uma cidade devastada. transforma-se em um final libertador na versão teatral de Rodrigo Portella, dando um respiro para o espectador.

Que cegueira branca é essa, acometida por toda uma população? São várias as hipóteses para responder a essa questão, de qualquer maneira fica claro que não se trata de uma doença, nem de uma transformação física do tipo daquela mostrada por Ionesco em “Rinocerontes”. Aqui é a individualidade e a direção do olhar para o próprio umbigo que faz o ser humano esquecer de olhar para o lado e “reparar” (citando Saramago) como caminha a humanidade.

Difícil citar um só nome: Antonio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Simone Ordones brilham de forma comunitária ao contrário das personagens da peça.

A música esfuziante e propositalmente repetitiva de Federico Puppi interfere magnificamente em vários momentos na interpretação do grupo, permitindo um bem-vindo distanciamento da tensa ação dramática.

(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA é mais um espetáculo marcante do Grupo Galpão.

Em cartaz:

- SESC Santo André de 6 a 16 de novembro. Quinta a sábado, 19h e domingo, 17h

-SESC 24 de maio de 20 de novembro a 14 de dezembro. Quinta a sábado, 19h e domingo, 18h

Conselho: Quem tem condições de assistir em Santo André o faça, porque a temporada em São Paulo promete ser concorridíssima, pois o teatro do SESC 24 de maio é muito pequeno para comportar o público do Grupo Galpão. 

9/11/2025

 

 

 

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

ANTES DE MIM NO FUNDO – A 4.968ª

 

O elemento água está muito presente na obra de Daniela Schitini e é a água que aprisiona e ao mesmo tempo liberta essas mulheres, personagens de “Antes de Mim no Fundo”, presas no delírio de uma delas, onde dialoga com sua irmã e com suas ancestrais femininas: mãe, avó, bisavó e tataravó.

O conteúdo dos diálogos é onírico e muitas vezes ilógico, como ao que se imagina ser o pensamento (?) de um ser em coma. Daniela escreve esses diálogos com muita mestria, remetendo ao pensamento de Alaíde, personagem de “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues.

Com a elegância e a delicadeza que lhe são habituais Clara Carvalho dirige a cena, ancorada na bela iluminação de Wagner Pinto e no talento das três grandes atrizes em cena.

Daniela Schitini encarrega-se do papel da irmã e tem dois ótimos solos em cena.

Mariana Muniz tem autoridade, maturidade e talento para desdobrar-se como a mãe, a avó, a bisavó e a tataravó, apenas com uma mudança no cabelo ou o uso de um véu.

A personagem da mulher em coma é a mais complexa e Lais Marques a interpreta visceralmente sem jamais cair na armadilha melodramática.

Interpretações como essas engrandecem o nosso teatro e nós, espectadores apaixonados, agradecemos o privilégio de estarmos presentes quando elas acontecem.

Divagações após ao aplausos:

- Ao final do espetáculo Laís estava felicíssima com a reação entusiasmada de um grupo de jovens que estava indo ao teatro pela primeira vez. Lembrei-me de algumas palavras de Ariane Mnouchkine que deveriam ser lembradas por todo artista que se preza: “Antes de começar o espetáculo temos que nos lembrar de que na sala há algumas pessoas para quem essa é a primeira experiência teatral e outras para quem essa será a última.” Quando a primeira experiência é boa o teatro ganhou mais um espectador e quando é a última aquela pessoa levará consigo tudo aquilo que o teatro lhe deu de maravilhoso.

- Quando comentei com Laís que estava próximo do meu quinto milésimo espetáculo teatral, ela perguntou qual seria o número de “Antes de Mim o Mundo”. Ao chegar em casa fui olhar. Foi a 4.968ª. Estão faltando 32!!

 Parafraseando Violeta Parra:

“Gracias a la vida que me ha dado tanto

Gracias al teatro que me ha dado tanto quanto” 

ANTES DE MIM NO FUNDO está em cartaz na SP Escola de Teatro até 16/11 aos sábados e domingos às 16h. De 20 a 30/11 vai para o Teatro Cacilda Becker de quarta a sábado às 21h e domingo às 19h. 

6/11/2025

 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O AUTO DO FIM DO TEMPO

 

Foto de Jamil Kubruk 

Jovens e inquietos, Fernanda Zancopé e Dante Passarelli são os líderes do “Manás Laboratório de Dramaturgia”, grupo criado por eles em 2010 quando ainda estavam no CPT de Antunes Filho. Corajosos também ao assumir desde o início de 2025, o local antes ocupado pelo grupo Elevador que agora leva o nome de “Teatro Manás Laboratório”.

É difícil acreditar que o espetáculo “O Auto do Fim do Tempo” tenha saído das cabeças de dois jovens tão solares e sorridentes como Fernanda e Dante: os temas tratados são sombrios (guerra, fome, caos, fim do mundo) e a montagem remete aos porões da idade média presentes nas obras de Hieronymus Bosch (1450-1516) e Pieter Bruegel, o velho (1525-1569). Tanto Fernanda na dramaturgia, como Dante na encenação não fazem a menor concessão para facilitar a vida do espectador e aí está, ao meu ver, o grande mérito do espetáculo, apesar de correr o risco não ser fruído pela maioria.

Os profissionais presentes na ficha técnica do espetáculo revelam os cuidados da produção: Fernando Passetti na cenografia, Aline Santini no belo e detalhado desenho de luz, Leopoldo Pacheco no visagismo, Rosangela Ribeiro nos figurinos, Ana Paula Lopez na complexa direção dos movimentos, Ale Martins na trilha sonora e Vic Von Poser na criativa e bela videografia que ilustra e comenta toda a ação indicando o coro que está sendo apresentado.

As interpretações dos doze episódios que compõem a peça estão a cargo de Eduardo Leoni, Fernando Aveiro e Fernanda Zancopé.

A inquietação do grupo já presente em seu trabalho anterior (“Por Um Pingo” de 2024) mostra-se ampliada neste novo e complexo projeto. Olho vivo naquilo que eles preparam para o futuro.

Longa vida ao “Manás Laboratório de Dramaturgia”, o teatro precisa de jovens como vocês!

O simpático e acolhedor “Teatro Manás Laboratório” fica na Rua Treze de Maio, 222 e tem uma vasta programação para os próximos meses.

 

5/11/2025

 

 

 

terça-feira, 4 de novembro de 2025

UM CLÁSSICO: MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA

 

O meu fascínio pelo diálogo entre o cinema e o teatro já rendeu até um curso que ministrei no Cine SESC, no Centro de Pesquisa e Formação do SESC e na Oficina Cultural Oswald de Andrade nos anos 2018 e 2019.

Filmes como “Kiss Me Kate”, “Tio Vânia em Nova York”, “O Beijo no Asfalto” (de Murilo Benício) e as encenações de Christiane Jatahy foram algumas das obras que ilustraram as minhas exposições.

Uma pena que na época Luiz Fernando Marques (Lubi) ainda não tivesse concebido essa delícia que é um grande exemplo de como uma arte dialoga com a outra.

Um ator (Walmick de Holanda) se apresenta timidamente ao pequeno público que a sala comporta. É ele mesmo ou é uma personagem que se dirige ao público? Ele será o narrador do que vai acontecer a seguir: cenas dos filmes “Matou a Família e Foi ao Cinema” de Julio Bressane de 1968 e “Dois Em Casa, Nenhum Jogo Fora” de Djalma Limongi de 1969, além de cenas gravadas pelo grupo serão entremeadas por cenas interpretadas ao vivo tendo a rua e os passantes ao fundo.

O espetáculo foi concebido para a Vila Maria Zélia, sede do Grupo XIX, mas teve ótima adaptação para uma sala dentro do Teatro Cultura Artística, local aonde assisti a essa pequena joia, dentro da MIACENA 25.

Lubi gosta de ambientar seus trabalhos em espaços não convencionais e aqui reforça essa tendência: enquanto um telão mostra cenas filmadas, as portas da sala se abrem e o elenco apresenta cenas paralelas na calçada enquanto transeuntes curiosos passam por ali. A presença de um lindo fusca cor de rosa em cena completa a alegria do público.

Tudo isso é costurado pelo narrador que abre o espetáculo e o fecha pedindo um beijo de alguém da plateia. Talvez por timidez o pedido não foi atendido por ninguém na sessão em que estive presente. 

FIQUE ATENTA/O: Essa delícia deve ser reapresentada na Mostra “2025 Em Cena” que ocorre na cidade no mês de dezembro.

CORRA  ATRÁS PORQUE VALE A PENA! 

04/11/2025

 

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

NOVAS DIRETRIZES EM TEMPOS DE PAZ

 

Na primeira década deste século o dramaturgo Bosco Brasil (1960-) esteve bastante presente nos palcos paulistanos com várias obras cujos maiores destaques foram “O Acidente” em duas montagens em 2000 e 2004 e com o grande sucesso “Novas Diretrizes e Tempos de Paz” (2002-2003) que teve três intérpretes como Segismundo (Jairo Mattos, Paschoal da Conceição e Tony Ramos) e sempre Dan Stulbach como o imigrante polonês Clausewitz.

Esperava- se que o autor mantivesse o mesmo ritmo nos anos seguintes, no entanto, ao que me consta a última vez que houve um texto de Bosco Brasil montado em São Paulo foi “!00 Gramas de Dentes! em 2009. Passaram-se dezesseis anos sem a presença desse importante dramaturgo brasileiro em nossos palcos.

Em boa hora Eric Lenate traz de volta “Novas Diretrizes em Tempos de Paz” dirigindo, concebendo a magnífica arquitetura cênica e interpretando Clausewitz, o imigrante polonês que chega ao Brasil ao final da segunda guerra mundial e que depende de um visto de entrada no país que pode ser dado por Segismundo, um arrogante funcionário da polícia política interpretado com grande categoria por Fernando Billi. Os questionamentos feitos pelo funcionário ao imigrante são o cerne desse excelente texto de Bosco Brasil repleto de diálogos ágeis e inteligentes.

A ação se passa no escritório de controle da imigração - com muitos objetos, rádio, luminárias, telefone, escrivaninha e repleto de processos amarelados de imigração - apoiado em uma estrutura redonda que permanece em movimento durante toda a peça, permitindo ao público uma visão em 360º daquilo que ali se passa.

São muitos os méritos desta montagem:

- Em primeiro lugar o texto de Bosco Brasil dramaticamente bem construído e denunciando as atrocidades de todo e qualquer sistema autoritário, além de fazer uma bela homenagem ao poder do teatro.

- A primorosa composição de Clausewit onde Lenate não descuida em nenhum momento do sotaque e do gestual da personagem imprimindo rara humanidade à figura do cansado imigrante.

 - Fernando Billi, por sua vez, compartilha a cena com Lenate de igual para igual imprimindo autoridade à personagem de Segismundo.

 - A cenografia criada por Lenate complexa e grandiosa é iluminada de maneira exemplar por Aline Sayuri e o próprio Lenate.

 Como se nota, Eric Lenate desempenha várias funções nesse magnífico espetáculo.

O versátil espaço do Teatro Estúdio desta vez tornou-se uma arena que abriga o imenso cenário, rodeada de arquibancadas para o público.

NOVAS DIRETRIZES EM TEMPOS DE PAZ está em cartaz no Teatro Estúdio até 8/2/2026 com sessões sextas e sábados 20h e domingos 16h.

NÃO DEIXE DE VER.

 

02/11/2025