Há uma frase atribuída a Ferreira Gullar que diz “A arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra”. O deslumbramento veio desta vez com a surpresa pelo emocionante trabalho da Companhia de Teatro Heliópolis apresentado em um galpão nos fundos da casa que pertenceu á professora Maria José de Carvalho (1919-1995) no Ipiranga.
A abertura do espetáculo já pega o público pela emoção quando cada um dos atores se apresenta, fala seu nome e depois diz “mas aqui pode me chamar de Túlio”. Neste ponto, houve um momento mágico no dia em que assisti ao espetáculo, só possível de acontecer no teatro, porque único e irreprodutível: a atriz Dalma ao se apresentar comentou o fato de ser mãe de duas crianças e olhou ternamente para uma mãe que estava entre o público com um bebê no colo. Túlio é um jovem office boy da favela de Heliópolis que é abordado por soldados na rua e apanha por puro preconceito, além de ter o dinheiro com o qual ia fazer um pagamento confiscado. A mãe embala seu sono e lhe oferece brigadeiro de colher. Túlio se transporta para a África e com a ajuda de um guia descobre suas raízes e a importância da cultura africana. Neste momento a peça torna-se excessivamente didática, o que se pode entender, pelo fato da mesma ser endereçada a um público jovem formado por estudantes das escolas no entorno da favela de Heliópolis. A partir da chegada da Europa (protagonizada de forma bastante discreta e sem estereótipos pelo também capoeirista Donizete Bomfim) a peça retoma o seu caráter épico e termina de forma poética com a oferenda da água para o público (que curiosamente, talvez por timidez, não reagiu e não tocou na água).
Espetáculo simples, feito com poucos recursos, mas eficiente e comovente na sua espontaneidade e que cumpre um importante papel de iniciar os jovens no mundo do teatro e também nos assuntos relativos a preconceitos não só raciais, mas também de classe e sexuais.
Parte dos atores não pertence à comunidade de Heliópolis e tem experiência profissional como Ju Colombo (voz possante e presença marcante) e Bruno Lourenço (que interpreta Túlio com muita desenvoltura), mas o elenco como um todo é muito harmonioso. As soluções cênicas e o desempenho homogêneo do elenco devem-se à segura direção do jovem Miguel Rocha, também integrante da comunidade de Heliópolis.
Lamentavelmente o espetáculo saiu de cartaz no último fim de semana, mas se voltar o cartaz recomendo vivamente que as pessoas sensíveis e carentes de um teatro alternativo de qualidade vão assisti-lo.
É importante dizer que esta peça foi adaptada do livro de mesmo nome, escrito por Ralf Rickli. A obra é fantástica, e quem assistiu à peça, eu recomendaria que procurasse o livro, que possui passagens e informações muito importantes acerca da história africana. O livro está esgotado, mas creio que em algum sebo ele possa estar aguardando avidamente para ser saboreado! Uma pena se não estiver...
ResponderExcluirO livro foi disponibilizado em PDF: www.tropis.org/biblioteca/tulio1997.pdf
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