O título O País da
Delicadeza Perdida de um DVD de Chico Buarque se aplica perfeitamente a
este Brasil de 2014 repleto de notícias sobre intolerância, preconceitos (racial,
sexual e de classe), violência gratuita, políticos corruptos, governantes
perdidos e uma falsa aura de felicidade que só acredita quem não quer ver ou se
contenta com uma miserável bolsa família. É nesse cenário, quase num pedido de
socorro, que alguns artistas vão em busca dessa delicadeza perdida e não creio
que seja obra do acaso o fato de eu ter assistido em dias seguidos a dois
espetáculos que remetem a essa procura: Ou
Você Poderia Me Beijar (já comentado
neste blog) dirigido por Zé Henrique de Paula e este Adormecidos, em cartaz no Espaço dos Satyros 1 e dirigido por Rodolfo
García Vázquez. Por caminhos diferentes ambas as encenações nos fazem acreditar
que a delicadeza ainda é possível.
Adormecidos é um
texto do dramaturgo norueguês Jon Fosse sobre dois casais que habitam certo
espaço em diferentes tempos. Nada se explicita, tudo é sugerido, não se conhece
nem o nome nem as características das personagens. Elas estão ali sujeitas à
ação do tempo que é mais cruel para um dos casais devido à doença da mulher. Na
verdade um casal envelhece e o outro não. Parece estranho, mas não é. Esta
delicada direção de García Vázquez é bastante diferente de outros trabalhos do
encenador em geral caracterizados por textos sobre violência urbana com limitado
acabamento visual e com cenas de sexo e nudismo. Um criativo jogo de espelhos torna a
encenação visualmente muito bonita e as personagens deslocam-se suavemente pela
cena parecendo flutuar naquele tempo e espaço tão etéreos quanto eles. Em
certos momentos o público também passa a fazer parte daquele espaço passando de
observador a observado.
Luiza Gottschalk e José Sampaio interpretam o casal que
envelhece e têm um melhor rendimento nas cenas da velhice. Luiza tem um belíssimo
rosto que remete à grande atriz Ingrid Bergman.
O outro casal tem a possibilidade de realizar um trabalho
mais envolvente uma vez que há conflito no seu relacionamento o que não ocorre
com o primeiro casal. Tiago Leal e Katia Calsavara interpretam esse casal com
muita naturalidade e talento.
A quinta participação é de um ator que faz um amante, um
filho e também é responsável pela sonoplastia do espetáculo. Nesta apresentação
o ator Fábio Ock foi substituído por outro ator de quem a produção não teve o cuidado
de indicar o nome.
Não fica claro na ficha técnica, mas segundo informação da
atriz Luiza Gottschalk a bela trilha sonora que permeia todo o espetáculo é, em
sua maioria de autoria de Fábio Ock.
Adormecidos
estreou em 2013 sem a repercussão merecida e nesta nova temporada (até 26 de
abril) merece uma visita daqueles que curtem um espetáculo sensível.
Fachada do Espaço dos Satyros na Praça Roosevelt
Em cartaz aos sábados e domingos às 19h no Espaço dos
Satyros 1.
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