Era
muito comum nos turbulentos anos 1960 ver um estudante mesmo que medianamente
engajado na luta para enfrentar o regime militar que não carregasse em sua
mochila os livros Geografia da Fome e
Geopolítica da Fome do autor
pernambucano Josué de Castro (1908-1973). O autor era cultuado nas
universidades e sempre citado quando o assunto era a fome nos países
subdesenvolvidos, sua tese era que a questão da fome origina-se na má
distribuição da renda e das mercadorias obtidas com essa renda e era forte
defensor da reforma agrária. Há uma célebre frase dele que diz “Metade da humanidade não come e a outra
metade não dorme, com medo da que não
come”. Ciosos defensores dessa outra metade, os militares perseguiram e conseguiram
banir Josué de Castro da memória do brasileiro. Muito pouca gente conhece o
legado desse médico, cientista político e ativista no combate à fome. Ele
também escreveu um romance intitulado Homens
e Caranguejos.
Eis
que nos chega do Rio de Janeiro pelo grupo Aquela Cia. de Teatro, um dos
espetáculos mais engajados dos últimos anos que foi buscar inspiração na obra
de Josué de Castro, tendo o grande mérito de trazer de volta o pensamento do
mesmo para a reflexão dos espectadores à luz da realidade atual. Transferindo a
ação dos mangues pernambucanos para aqueles do Rio no século 19, o texto de
Pedro Kosovski fala de um homem que caçou caranguejos na juventude, lutou na
Guerra do Paraguai e ao voltar traumatizado pelos efeitos da guerra encontra
uma cidade completamente mudada e onde o mangue, sua fonte de sobrevivência,
foi aterrado. Após vários percalços este homem faminto metaforicamente
transforma-se em caranguejo passando de caçador a caçado.
A
encenação de Marco André Nunes, tendo como base estética o movimento manguebeat de Chico Science, é
envolvente. Os atores (todos excelentes) desdobram-se na narração e na
interpretação de Cosme, o protagonista. A peça inicia com um manifesto dito por
Alex Nader enquanto Matheus Macena (grande presença cênica e dono de voz marcante)
debate-se numa plataforma de areia que simboliza a lama do mangue. A ação
evolui e tem seu ápice no momento em que Fellipe Marques desnuda-se cobrindo o
corpo de lama e transformando-se em caranguejo. Durante a sua metamorfose
ocorre em paralelo a cena antológica em que uma prostituta paraguaia do mangue
(grande momento de Carolina Virguez a quem vimos há pouco em Guerrilheiras) conta em alta velocidade para
o depauperado e esfomeado Cosme a história da política brasileira. Hilariante e
cruel.
A
forte e precisa trilha musical é executada ao vivo por três músicos com a
direção musical de um deles (Felipe Storino).
Na
noite da estreia (16/02) a peça e os atores foram ovacionados longamente por um
público bastante emocionado com a pujança do que acabou de ver.
CARANGUEJO OVERDRIVE fica em cartaz no
Sesc Pinheiros de terça a quinta feira às 21h somente até 10/03. SÃO PAULO
PRECISA DESCOBRIR ESTE ESPETÁCULO QUE JÁ PODE SER INCLUÍDO ENTRE OS MELHORES DO
ANO.
17/02/2016
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