segunda-feira, 16 de março de 2020

MITsp 2020 – BALANÇO


 

        A MITsp acabou ontem, dia 15 de março de 2020, truncada em parte pela pandemia do corona vírus, O eixo MOSTRA DE ESPETÁCULOS teve um espetáculo cancelado (SOPRO) devido ao fechamento do teatro do SESI e foram poucos os cancelamentos nos outros eixos. A Mostra terminou na hora certa, pois a partir de 16 de março praticamente todos os teatros da cidade estão fechados. Tristes tempos!
        Dos 13 espetáculos internacionais programados na MOSTRA DE ESPETÁCULOS foram realizados 12, dos quais assisti a dez. Não tive condições de acompanhar a MITbr, nem as ações pedagógicas, assim como os espetáculos da simpática Faroffa (muitos deles eu já havia visto). Segue abaixo na ordem de minha preferência um balanço do que vi, seguido em itálico do que escrevi quando assisti aos espetáculos: 

1.   CASA MÃE - Insuperável primeiro lugar, talvez o maior impacto teatral do ano. Poderosa metáfora da ascensão e queda de nossa civilização ocidental.
 

        Não se irrite, nem queira abandonar a sala nos primeiros quarenta minutos de Casa Mãe. VOCÊ NÃO PERDE POR ESPERAR. Todo o preparativo tem razão de ser na performance da poderosa artista francesa Phia Ménard. O terço final é uma das coisas mais impactantes (pelo conteúdo) e arrebatadoras (pela forma) a que eu assisti em toda minha longa vida de espectador tanto de teatro como de cinema. Não escrevo sobre ele, nem coloco fotos para não estragar o seu impacto e o seu arrebatamento.

2.   JERK (BABACA) – Desagradável, sim! Não poderia ser diferente devido ao tema tratado, mas que concepção e que interpretação de Jonathan Capdeviellle.

        No melhor dos sentidos, trata-se de um espetáculo “doente” onde por meio de fantoches (figuras normalmente ligadas ao inocente mundo infantil) conta-se história escabrosa sobre violações, torturas e execuções de garotos executadas por um serial killer (Dean Corll), auxiliado por dois adolescentes, um deles sendo a personagem que nos narra os fatos. O mais terrível é que muitas das vítimas vão para o cadafalso sabendo o que os espera com um misto de curiosidade e de “tesão”.
        O ator/ventríloquo Jonathan Capdevielle encarrega-se da difícil função de dar vida a essas personagens asquerosas e o faz com imenso talento. Espetáculo barra pesada do qual saímos com um gosto amargo na boca. Texto de Dennis Cooper baseado em história real com direção de Gisèle Vienne que também assina a encenação que abriu o evento (Multidão

3.   FARM FATALE – Bela fábula sobre o fim dos tempos.

        Os espantalhos foram criados pelos homens para espantar corvos e outros pássaros das plantações. Mas não há mais homens, nem pássaros. Restou para eles ouvir com melancolia as gravações dos cantos (ou falas?) das aves e sentir saudades de um mundo que acabou. Tudo ali é inóspito como um fardo de feno.
        Tudo? Não. Parece que há uma única abelha que é brindada com uma performance de Stand By Me e muitos ovos luminosos. Sinais de vida que parecem sofrer ameaças que vêm da vizinhança.
        Farm Fatale é uma potente fábula apocalíptica que encerra de forma espero que não profética esta MITsp, manchada pela presença dessa pandemia do corona vírus.
        Resta dizer que o espetáculo da Müncher Kammerspiel concebido e dirigido por Philippe Quesne é primoroso no que diz respeito ao figurino, máscara e vocalização dos atores, além é claro do importante tema tratado.

4.   BY HEART – Simpático e poético trabalho capitaneado pelo carismático encenador português Tiago Rodrigues.

        Aprendemos desde crianças que decorar é uma coisa chata: decorar um ponto de história, a tabela periódica dos elementos, as leis da Física, a demonstração de um teorema ou ainda um texto teatral. Tiago Rodrigues, ator, diretor e dramaturgo português, artista em foco da 7ª MITsp, resgata o significado do verbo decorar no que ele tem de mais belo e poético: guardar na memória “de coração”, com toda emoção e poesia que esse órgão representa. Como em nossa língua “saber de cor”, virou sinônimo de coisa obrigatória e chata, o autor optou por colocar o título em inglês.
        Tiago Rodrigues usa o recurso de convidar dez pessoas do público para decorar trechos de um soneto de Shakespeare e durante a apresentação cita vários autores e sua relação com a avó Cãndida que era uma leitora contumaz. A tese da peça é que o que guardamos na memória ninguém poderá tirar: “Esses filhos da puta não vão arrancar o que trago dentro de mim!”, essa é, aproximadamente, a frase que Tiago repete em certo momento da peça. E para que a memória se perpetue é necessário compartilhá-la com o maior número de pessoas.
        Extremamente simpático e carismático Tiago Rodrigues conquista seus dez convidados e todo o público presente oferecendo um trabalho cheio de poesia e de humanidade, verdadeiro antídoto para o primeiro espetáculo da noite (Jerk).

5.   MULTIDÃO – O mais surpreendente deste espetáculo foi a coreografia quase toda concebida para gestos muito lentos, congelamento de gestos, tudo perfeitamente sincronizado.

        O espetáculo da abertura foi MULTIDÃO da artista franco-austríaca Gisèle Vienne. Hipnótico, apesar de um pouco longo, inicia com uma figura adentrando o palco, lembrando o homem pisando na lua. Os outros elementos entram em seguida com gestos lentíssimos como se fosse um filme em câmara lenta. Ao som de ritmos de dance music o grupo representa “o sagrado e o profano” de uma festa techno. Louve-se a difícil coreografia quase toda baseada nesses gestos lentos que o elenco realiza de maneira precisa e sincronizada. O chão coberto de terra e certos movimentos coletivos me remeteram também a A Sagração da Primavera na versão de Pina Bausch.

6.   SÁBADO DESCONTRAÍDO – Espetáculo bastante simples na forma com forte conteúdo social e trilha sonora inusitada executada ao vivo.

        Título que soa irônico pelo tema triste e grave tratado pela atriz Dorothée Munyaneza, nascida em Ruanda e sobrevivente do massacre ocorrido em seu país durante a guerra civil em 1994. O título remete a um programa de rádio onde ela ouvia belas canções francesas e norte americanas, uma das últimas lembranças boas que ela traz daqueles tempos tenebrosos. Dorothée é uma atriz potente e é bem acompanhada por Nadia Beugré que em expressivas evoluções corporais ilustra o relato e por Kamal Hamadache que cria a inusitada trilha sonora em cena. Ao final, em tom desafiador é perguntado ao público “Onde você estava no dia 09 de abril de 1994?” e todos saem do teatro refletindo porque quem é que já não teve o seu “dia 09 de abril de 1994”? 

7.   TENHA CUIDADO – Simpática intervenção da artista indiana, talvez o espetáculo mais feminista desta MITsp.

        Foi muito significativo assistir a este espetáculo no Dia Internacional da Mulher . Com muita graça e uma simpática interação com a plateia a atriz indiana Mallika Taneja  fala sobre assédio, preconceito e violência contra a mulher. Rebate com vigor e ironia a tese machista muito presente também por aqui de que “a culpa é dela, quem mandou sair com essa roupa provocadora?”. Iniciando o espetáculo completamente nua, a atriz vai se cobrindo de dezenas de roupas, até terminar com o rosto coberto  e um capacete na cabeça: “Agora eu não corro mais perigo”, são suas últimas palavras. Recado curto e grosso para os machões de plantão!

8.   TU AMARÁS. Tema interessante tratado com dramaturgia, no meu modo de ver, equivocada.
 
        O prólogo desta peça é interessante, mas perigoso, pois fala diretamente do preconceito e perseguição aos índios do Chile embora aquele representante dos índios pratique algo condenável como a zoofilia. Nas cenas seguintes, um grupo de médicos que prepara uma conferência sobre o preconceito revela-se bastante preconceituoso em relação aos Amenitas, extraterrestres que agora habitam nosso planeta. Por que esse recurso dramatúrgico usando alienígenas como metáfora? Os “outros” podem ser quaisquer grupos perseguidos em nossa sociedade: mulheres, negros, índios, homossexuais, travestis. Para que “amenitas”? A imagem não me convenceu e isso prejudicou uma maior fruição da obra. Transitando em cenário pouco adequado para o palco italiano, o elenco cumpre seus papeis adequadamente.

9.   ORLANDO – Só uma bela instalação.

        Trata-se de uma instalação, por sinal, uma bela instalação com meia dúzia de personagens projetadas em telões; elas se movimentam de forma muito lenta e de tempos em tempos mudam de paisagem e de telão. Como numa exposição é algo para ser contemplado no tempo de cada receptor, que se retira após o seu tempo de fruição da obra.
        Mas aqui, somos de alguma maneira, “obrigados” a acompanhar a instalação por longos e intermináveis 50 minutos. A meu modo de ver é pretensioso e errado chamar o espetáculo de ópera-instalação, além disso, não vi vestígios da obra de Virginia Woolf nem da questão de gênero e identidade, conforme descrito na divulgação do trabalho.

10.       O QUE FAZER DAQUI PARA TRÁS – O espetáculo da Mostra que menos me tocou.

        Talvez eu não esteja preparado, mas pelo que eu entendi na saída, muitos de nós talvez não estejam preparados. Houve quem riu muito e aplaudiu de pé, houve até quem gritasse “Uuuuuhhh!!”. Pessoalmente achei pura perda de tempo ficar sentado por uma hora vendo aquele pessoal entrar correndo, dizer uma ou outra coisa ao microfone e sair correndo. As presenças no palco devem ter durado menos de meia hora e o resto do tempo foi o palco vazio nos intervalos entre a saída de um e a entrada de outro. Para quê? Para andar para trás?
        Essa frustrante experiência me fez lembrar outra ocorrida no ano passado no mesmo Teatro Cacilda Becker dentro da MITsp 2019, quando perdi mais de quatro horas debaixo de chuva entre idas e vindas para assistir a A BOBA. Pelo menos hoje não choveu e o céu está lindo com a super lua.
        Sua proposta, tão clara na sinopse, no palco absolutamente não me atingiu, João Fiadeiro.

        Esperemos que esses tempos sombrios logo nos abandonem e que estejamos belos, formosos e saudáveis por ocasião da 8ª MITsp de 2021. Obrigado por tudo Tó e Guilherme! VALEU!


O TEATRO NOS UNE,
O TEATRO NOS TORNA FORTE,
VIVA O TEATRO!!
 
         16/03/2020

 

 

 

 

 

 

       

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário