sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A SEMENTE DA ROMÃ

 

 

INTRODUÇÃO INÚTIL

No quintal da minha infância havia uma linda romãzeira plantada pela minha nonninha e cuidada por ela com muito amor. Era um pequeno arbusto com pequenas folhas muito lustras e que ficava mais lindo quando florescia e frutificava. Na minha imaginação infantil ele se assemelhava à árvore do maná que aparecia no filme Os Dez Mandamentos, épico bíblico hollywoodiano muito famoso na época.

Certa vez acordamos pela manhã com a pequena árvore totalmente nua, devastada numa única noite por um bando de saúvas que invadiu nosso quintal. Tenho presente na memória o semblante triste de minha avó diante da pequena tragédia ocorrida, mas nossa romãzeira se recuperou e tempos depois voltou a florescer (aliás, sua flor vermelha é muito linda) e a frutificar.

Degustar uma romã era uma delícia. Partindo sua casca grossa colocávamos seus gomos vermelhos na boca e mastigávamos até restarem apenas as sementes. Após secá-las, embrulhávamos e colocávamos as sementes na carteira para dar sorte.

O título da peça da Companhia da Memória me remeteu a essa lembrança e apesar de ela não ter nada a ver com o espetáculo, não resisti e estou a incluindo nesta matéria.

Por sinal, procuro por meio dessa historinha, entender o título da peça. 

O ESPETÁCULO

Existe uma curiosidade muito grande em assistir no teatro a esse projeto da Companhia da Memória que põe simultaneamente em cena as peças As Três Irmãs em uma plateia e A Semente da Romã na outra, mesmo que esse recurso cênico já tenha sido utilizado, entre outros,  por Leonardo Moreira em Wiosna (2016), Christiane Jatahy em Ítaca - Nossa Odisseia 1 (2018) e, de certa maneira, pelo próprio Ruy Cortez no memorável Karamázov (2014).

Na impossibilidade de vê-lo em sua completude por conta do isolamento social, temos que nos contentar em assistir à versão digital de A Semente da Romã, o que já se reveste de um grande prazer.

O texto de Luís Alberto de Abreu mostra os bastidores de um teatro onde um grupo de atores aguarda seu momento de entrar em cena. São três gerações de artistas discutindo as delícias e as amarguras do fazer teatral e das dificuldades em sobreviver vivendo da arte e da cultura, assuntos tão negligenciados neste país que foi esquecido por Dionísio.

Ao que parece os atores gravaram suas falas individualmente, as quais foram posteriormente editadas. Esse fato traz alguns problemas de continuidade e dá certo tom artificial aos diálogos, mas o elenco é tão bom que isso não afeta a emoção do espectador. O elenco atua próximo à câmera (dando o efeito zoom cinematográfico) e olhando para ela, como se a mesma fosse seu interlocutor. 

Walderez de Barros (Ariela) e Sérgio Mamberti (Guilherme) brilham! Representando a geração mais velha, eles trazem as lembranças do teatro dos anos 1960/1970 (a recordação de Mamberti da montagem de As Três Irmãs realizada pelo Grupo Oficina em 1972, abre o espetáculo e é um dos grandes momentos do mesmo).

 A geração intermediária representada por Ondina Clais, Lavínia Pannunzio e Eduardo Estrela mostra personagens com características diferentes. O inconformismo e a revolta de Augusto (Estrela) contrapõem-se às esperanças de Maria Antonia (Lavínia) e ao desencanto com a profissão de Katia (Ondina). Outro grande momento da peça é o emocionante diálogo entre Maria Antonia e Katia, quando esta resolve abandonar a profissão.

João Vasconcellos é Deusdeu Aparecido, o jovem apaixonado pelo teatro e esperançoso com seu sucesso futuro como ator. 

Os diálogos são intercalados por belas cenas mostrando o camarim dos atores e seus objetos pessoais ao som da trilha sonora de Thomas Rohrer.

A velha atriz Ariela termina esta bela peça citando o grande Plínio Marcos e oferecendo uma galharufa ao jovem ator Deusdeu, passando a ele a tocha sagrada do teatro que nunca será apagada. 

Este emocionante aperitivo para o projeto completo dirigido por Marina Nogaeva Tenório e Ruy Cortez faz temporada virtual até 08/12 TODOS OS DIAS DA SEMANA  às 21h e aos domingos às 17h e às 21h. Pelo Sympla. 


27/11/2020

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Cetra, muitissimo agradecido pela crítica! O seu relato inicial é o próprio mito da ROMÃ, do ciclo de vida-morte-renascimento-vida do feminino que abordamos em A SEMENTE DA ROMÃ. Que linda essa imagem da sua avó e da romãzeira, as saúvas e o renascimento da planta. Acho que esse governo são as próprias saúvas do teatro, mas Dionísio não nos abandou e apesar de estarmos nas catacumbas como disse Fernanda, somos imorríveis. Gracias por seu amor ao teatro, seu olhar sensível. Estamos juntos! Viva o Teatro!

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