domingo, 21 de maio de 2023

AMADEO

 

Fazendo uma rápida visita ao Google constatei que existem 55 filmes com personagens paraplégicos ou tetraplégicos, alguns deles tocando no assunto polêmico da eutanásia, sendo Mar Adentro (2004) com Javier Barden talvez o mais famoso entre eles.

Dois bons exemplos de montagens teatrais sobre o assunto são Feliz Ano Velho baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva e A Valsa de Lili na interpretação memorável de Débora Duboc. Um exemplo clássico e muito bem resolvido cenicamente é uma das cenas de Os Sete Afluentes do Rio Ota dirigida por Monique Gardenberg, onde o personagem em estado terminal por conta da Aids, realiza suicídio assistido, resultando em um dos momentos mais comoventes já vistos em palco paulistano, sem esquecer também de Cuando Pases Sobre Mi Tumba do uruguaio Sergio Blanco onde o assunto é tratado de forma bastante interessante.

Amadeo seria apenas outra obra tratando do assunto, não fosse a maneira original como é tratado e como a ótima estrutura narrativa criada pelo jovem dramaturgo francês Côme de Bellescize (1980-) envolve o público de maneira equilibrada entre a densidade do drama apresentado e a maneira poética e até bem humorada como o assunto é tratado.

Após uma rápida cena inicial onde Amadeo diverte-se entre correr com seu carro veloz e tentar convencer a namorada Julia a transar com ele, o rapaz sofre o acidente onde fica tetraplégico e a partir daí são cenas tensas nos hospitais, cenas na tentativa das pessoas se comunicarem com ele até a dramática parte final onde ele pede insistentemente para que deem um fim à sua vida. Em interessante recurso dramatúrgico o autor introduz o personagem de Clóvis, talvez uma imaginação do Amadeo imóvel ou seu alter ego e essa figura provoca o rapaz para que ele reaja e procure recuperar os movimentos, fazendo isso de maneira bastante dinâmica e dando toques de humor à tragédia apresentada. Com esse recurso a personagem de Amadeo pode se movimentar nessas cenas oníricas, evitando assim a total imobilidade do ator até o fim da peça.

Com quase um “não cenário” circular de Marisa Bentivegna, belamente iluminado por Wagner Freire e adornado no chão com a incrível direção de imagem e videoclipping de André Grynwak e Pri Argoud, Nelson Baskerville realiza uma encenação potente sobre assunto muito delicado e urgente. Contribuem muitíssimo para o clima da montagem a belíssima trilha sonora de Marcelo Pellegrini e os figurinos de Marichilene Artisevskis.

Se a apresentação não fosse se alongar demais, seria muito interessante que na cena em que os personagens estão em programa de televisão discutindo os prós e os contras da eutanásia, a discussão se abrisse para a plateia para ouvir a opinião de meia dúzia de pessoas.

Tudo isso seria pouco sem um elenco superlativo: o jovem Thalles Cabral desincumbe-se do personagem título com muita dignidade tanto quando está em movimento como quando está imóvel; Thomas Huszar compõe muito bem o personagem do amigo de Amadeo e os personagens mais velhos para os quais não tem físico apropriado; apesar de gritar um pouco demais em várias cenas César Mello se sai bem como o chefe dos bombeiros.

No meu modo de ver o grande trunfo do espetáculo está nas intérpretes femininas: a Julia de Janaína Suaudeau brilha na sua graça e juventude; Cláudia Missura empresta suas técnicas de clown para criar Clóvis, o alter ego de Amadeo e Chris Couto, em mais um momento de sua brilhante carreira, interpreta a mãe com toda a intensidade exigida pela personagem.

Amadeo não é um espetáculo fácil, chega até a ser incômodo em alguns momentos, mas a vida não é formada só de flores e é muito importante que assuntos desagradáveis também sejam tratados e discutidos pelo teatro.

 

AMADEO termina sua temporada no Tucarena no próximo domingo, dia 28, com sessões sexta e sábado às 20h30 e domingo às 18h,

ÚLTIMAS CHANCES. NÃO PERCA!

 

21/05/2023

Um comentário:

  1. é maravilhoso! gostei demais do trabalho corporal do elenco que leva a catarse. beijos, pedrita

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