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E o verbo se fez carne nas presenças hipnóticas de Bete Coelho e Magali Biff.
Há muito tempo não se presenciava em teatro texto tão bem pronunciado e
interpretado como nesta montagem extraordinária da não menos extraordinária peça
de Jean Genet.
A
peça joga com a alteridade de maneira absolutamente perfeita. Logo em seu
início a criada Claire incorpora a Madame enquanto sua irmã Solange a
incorpora: está criado o jogo de espelhos que por meio das artimanhas das irmãs
para assassinarem a Madame nos leva até o inesperado final. Genet escreveu o
texto em 1947, época de desencanto da Europa do pós guerra, terreno fértil para
surgir o teatro do absurdo de Beckett, Ionesco e onde ele também se situa.
Genet, porém, pelo seu próprio modo de vida, acrescenta enorme dose de
crueldade em seus escritos e As Criadas
é exemplo disso.
A
montagem do polonês Radoslaw Rychcik tem simples, mas grande achado cênico que é
a colocação de telão no alto do palco onde se pode ver os vários ângulos dos
rostos e expressões das atrizes; outro fator que enriquece a montagem é a
trilha sonora minimalista dos poloneses Michal Lins e Piotr Lis que comenta a
ação e amplia o suspense da trama. A trilha é tocada ao vivo por músicos
brasileiros.
As
interpretações das duas criadas são milimetralmente planejadas no gestual, na
emissão de voz e na movimentação cênica. Atreladas a duas poltronas na maior
parte do tempo, Bete Coelho e Magali Biff deixam os perplexos espectadores
sentados na ponta da poltrona aguardando o que vai acontecer. É surpreendente e
estimulante acompanhar esse jogo cênico dessas duas grandes atrizes.
Toda
a organização interpretativa das criadas cai por terra com a chegada da Madame
numa explosiva interpretação de Denise Assunção. Denise parece não respeitar
texto nem marcação sendo um ótimo contraponto para os trabalhos comedidos de
Bete e Magali, no entanto a atriz podia ser menos over em sua concepção da personagem e em suas improvisações. Diga-se
de passagem, que a atriz abre o espetáculo com exuberante figurino cantando O Morro Não Tem Vez, emblemática canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes que
cai como uma luva para a proposta do diretor de colocar uma negra no papel de
Madame.
As Criadas de Jean Genet revisitada por
Radoslaw Rychcik vai ficar para a história e as interpretações de Bete Coelho e
Magali Biff deverão fazer parte das antologias que reúnem trabalhos
excepcionais de nossas atrizes.
A
peça cumpriu temporada no Sesc Santana de 14/07 a 13/08, após ter sua estreia mundial
no FIT – Festival Internacional de Teatro de Rio Preto. QUEM VIU, VIU!
14/08/2017
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