segunda-feira, 14 de agosto de 2017

AS CRIADAS


        ... E o verbo se fez carne nas presenças hipnóticas de Bete Coelho e Magali Biff. Há muito tempo não se presenciava em teatro texto tão bem pronunciado e interpretado como nesta montagem extraordinária da não menos extraordinária peça de Jean Genet.
        A peça joga com a alteridade de maneira absolutamente perfeita. Logo em seu início a criada Claire incorpora a Madame enquanto sua irmã Solange a incorpora: está criado o jogo de espelhos que por meio das artimanhas das irmãs para assassinarem a Madame nos leva até o inesperado final. Genet escreveu o texto em 1947, época de desencanto da Europa do pós guerra, terreno fértil para surgir o teatro do absurdo de Beckett, Ionesco e onde ele também se situa. Genet, porém, pelo seu próprio modo de vida, acrescenta enorme dose de crueldade em seus escritos e As Criadas é exemplo disso.
        A montagem do polonês Radoslaw Rychcik tem simples, mas grande achado cênico que é a colocação de telão no alto do palco onde se pode ver os vários ângulos dos rostos e expressões das atrizes; outro fator que enriquece a montagem é a trilha sonora minimalista dos poloneses Michal Lins e Piotr Lis que comenta a ação e amplia o suspense da trama. A trilha é tocada ao vivo por músicos brasileiros.
        As interpretações das duas criadas são milimetralmente planejadas no gestual, na emissão de voz e na movimentação cênica. Atreladas a duas poltronas na maior parte do tempo, Bete Coelho e Magali Biff deixam os perplexos espectadores sentados na ponta da poltrona aguardando o que vai acontecer. É surpreendente e estimulante acompanhar esse jogo cênico dessas duas grandes atrizes.


        Toda a organização interpretativa das criadas cai por terra com a chegada da Madame numa explosiva interpretação de Denise Assunção. Denise parece não respeitar texto nem marcação sendo um ótimo contraponto para os trabalhos comedidos de Bete e Magali, no entanto a atriz podia ser menos over em sua concepção da personagem e em suas improvisações. Diga-se de passagem, que a atriz abre o espetáculo com exuberante figurino cantando O Morro Não Tem Vez, emblemática canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes que cai como uma luva para a proposta do diretor de colocar uma negra no papel de Madame.
        As Criadas de Jean Genet revisitada por Radoslaw Rychcik vai ficar para a história e as interpretações de Bete Coelho e Magali Biff deverão fazer parte das antologias que reúnem trabalhos excepcionais de nossas atrizes.
        A peça cumpriu temporada no Sesc Santana de 14/07 a 13/08, após ter sua estreia mundial no FIT – Festival Internacional de Teatro de Rio Preto. QUEM VIU, VIU!


14/08/2017

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