- Um pouco de história não faz mal a ninguém
Jorge Farjalla é obstinado pelas peças
míticas de Nelson Rodrigues. Já montou Doroteia (1949) em 2017 e Senhora
dos Afogados (1947) em 2018 e agora chegou a vez de Álbum de
Família (1946), só faltando encenar profissionalmente Anjo Negro
(1947) para completar a série.
Foi o crítico Sábato Magaldi que
classificou de míticas essas quatro peças escritas em seguida (Álbum de
Famíla>>Senhora dos Afogados>>Anjo Negro>>Doroteia)
na segunda metade da década de 1940. Nelson Rodrigues as classificou de “peças
desagradáveis”
Se há desagradabilidade nas quatro
peças mencionadas, não resta dúvida que Álbum de Família seja a campeã
nesse quesito pelo tema áspero e perverso tratado e pela forma como ele é
tratado, apesar do enorme talento do autor.
A ciranda passional da peça é composta
de um pai (Jonas) que tem atração pela filha (Gloria), o filho (Edmundo) com
atração pela mãe (Senhorinha), enquanto esta tem atração pelo outro filho
(Nonô) e para completar Guilherme é tarado pela irmã Gloria. O casal Jonas e
Senhorinha vive com os quatro filhos e a irmã de Senhorinha (Ruth) em um
ambiente opressivo e cheio de luxúria armazenada que extravasa vez ou outra.
Retratos singelos dessa nobre família são mostrados durante a ação.
Ao que consta Farjalla nunca apresentou
em São Paulo algumas das peças psicológicas ou das tragédias cariocas do autor.
Farjalla realizou uma montagem
criativa de Doroteia que constava com uma notável interpretação de
Rosamaria Murtinho, mas a encenação de Senhora dos Afogados foi, a meu
ver, bastante equivocada prejudicando bastante um dos mais belos textos de
Nelson Rodrigues.
Vejamos o que ele faz com Álbum de Família!
A encenação
É poderosa a primeira impressão que se
tem ao adentrar o espaço cênico formado por um chão de terra vermelha e um
álbum ao vivo da família; a única figura presente é Nonô, que também será a
última a ali permanecer: aquele chão consumirá toda a família. Louve- se de
início a bela e equilibrada cenografia assinada pelo diretor Jorge Farjalla.
Tudo iluminado com a tradicional beleza assinada por Aline Santini.
Como encenador, Farjalla tratou o
texto com a crueldade e a perversidade que lhe são próprias, sem, porém,
exagerar nos apelos eróticos/passionais e até enfatizando os lados poéticos,
irônicos e até engraçados tão presentes na obra de Nelson Rodrigues. Assiste-se
às desgraças daquela família mais que disfuncional com um misto de horror e de
humor no semblante. Para tanto contou com a belíssima trilha sonora também
assinada por ele, composta por canções de Cartola e com o harmonioso elenco
formado em parte por atrizes e atores bastante jovens. O resultado é muito bom
e bastante fiel ao universo rodriguiano.
Por decisão do encenador foi suprimido
o personagem do locutor e as fotos do álbum que são substituídas por cenas ao
vivo.
Com muita garra Mariana Barioni e Alexandre
Galindo dominam a cena como os protagonistas Senhorinha e Jonas. Mesmo sem ter
idade para a personagem a composição de Mariana é perfeita e Galindo reafirma
seu talento como o atormentado Jonas.
Lidia Engelberg tem participação digna
como a despeitada (nos dois sentidos) Ruth.
Roberto Borenstein empresta sua voz
potente ao avô servil que oferece a neta virgem para Jonas.
Jullia Leite tem uma pequena, mas
importante participação como a mulher de Edmundo.
Helena Cury, Lakís Farias e Lara
Paulauskas completam o elenco feminino.
Daniel Marano e Iuri Saraiva defendem
com força os revoltados irmãos Guilherme e Edmundo, assim como Fernanda Gidali
como Gloria que tem uma boa participação apesar do excesso de agudo na voz que confere
um tom infantil à sua personagem.
Finalmente Agmar Beirigo que empresta
seu corpo para exprimir os sentimentos do mudo Nonô, que apesar de ser
considerado louco por todos é a personagem mais lúcida e pura da história.
Há muito mistério a ser desvendado à
medida que você folheia este inusitado álbum de família. Há muita magia. HÁ MUITO TEATRO!!
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09/07/2024
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