quinta-feira, 22 de agosto de 2013

CRUELDADE AO ALCANCE DE TODOS



     É difícil acreditar que Naum Alves de Souza, o autor das líricas peças do ciclo memorialista No Natal a Gente Vem Te Buscar (1979), A Aurora da Minha Vida (1981) e Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão (1984) seja o mesmo deste recente Operação Trem Bala, ora em cartaz no Instituto Cultural Capobianco.  Não conheço a maioria das peças que o dramaturgo classifica como ciclo urbano (só assisti a Suburbano Coração e a maioria dos outros títulos permanece inédita em nossos palcos), mas creio que há necessidade de se criar outro título para, talvez, o ciclo que se inicia com este cruel Operação Trem Bala.

Naum Alves de Souza - Foto de Sérgio Kenchgerian


     Trata-se de uma comédia com toques de teatro do absurdo que foca sua ação num casal de velhos (Arthur e Bluma) que têm em volta de si os parentes abutres que os vilipendiam, vendem seus móveis e objetos de arte e aguardam ansiosamente as suas mortes para dividir o que restar dos bens materiais. Arthur e Bluma não são apenas vítimas dessa corja que os explora, pois já foram exploradores tão ferozes quanto ela e ainda conservam valores nada dignificantes ou humanistas ; ou seja, não há flor que se cheire em todas as personagens da peça, entre elas, algumas que já morreram, outras com mais de 150 anos, um anjo da guarda interesseiro e até o diabo em “participação especial”! A trama tem muitas reviravoltas e os quatro excelentes atores desdobram-se em mais de uma dezena de personagens, que são apresentadas logo no início da peça. A ação se passa na mansão em ruínas do velho casal, mas para os dois, eles estão num trem bala concebido por Arthur (Um asilo? O caminho para a morte?). Na última cena a peça adquire um tom lírico (que remete ao ciclo memorialista citado acima) quando o velho casal começa a dançar e correr, encaminhando-se para um túnel (a morte) que está no percurso do trem bala. Final poético e bonito, que não se coaduna com o resto do espetáculo que é irônico, cruel e mordaz.



     A direção do próprio Naum é limpa e direta, assim como o cenário (espaço cênico nu, com duas cadeiras de rodas e dois andadores, além de uma maquete suportada por máscaras que contém uma ferrovia com o trem).
     Conforme já escrevi o elenco é excelente, todos com maquiagens e máscaras propositadamente exageradas. Saem de cena como uma personagem, para entrar logo em seguida travestidos de outra personagem. Além do dramático há um verdadeiro exercício físico durante a hora e meia que dura o espetáculo. Marco Antônio Pâmio está cada vez melhor: lembro-me daquela que, talvez, tenha sido a sua estreia no teatro: Romeu e Julieta em 1984, dirigida pelo Antunes Filho, onde Pâmio interpretava Romeu, com certa timidez e de lá para cá esse ator só tem crescido e atinge um grau de excelência com a personagem Arthur (grau que eu acreditava já atingido em Mediano). Mila Ribeiro tem uma presença poderosa como Felipa, a segunda esposa de Arthur; Ana Andreatta está ótima como Bluma e como a empregada da mansão e Fábio Espósito desdobra-se em uma dezena de personagens, inclusive como anjo e como diabo.

Marco Antônio Pâmio com Giulia Gam em Romeu e Julieta (1984)      Foto de João Caldas


     Naum Alves de Souza escreve para estes tristes tempos de individualismo e busca pelo poder e por bens materiais e seu espetáculo é obrigatório para quem quer refletir sobre os mesmos.
     Operação Trem Bala – de 02 de agosto a 29 de setembro no Instituto Cultural Capobianco (Rua Álvaro de Carvalho, 97). Sextas e sábados às 20h e domingos às 19h.

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