domingo, 25 de maio de 2014

PALAVRAS, PALAVRAS, PALAVRAS - UM PROJETO BECKETT


Samuel Beckett (1906-1989)
 
     Tenho diante de mim os romances Primeiro Amor e Molloy de Samuel Beckett e fico pensando como foi imenso o mergulho de fazer as transposições cênicas dos mesmos, ora apresentadas por Ana Kfouri no CIT Ecum.
 
 
     Primeiro Amor, de 1945, é um texto escrito na primeira pessoa onde um homem sentado num banco discorre sobre vida, solidão e morte (temas tão caros a Beckett), envolvendo seu pai e uma mulher chamada Lulu. O texto não necessita de adaptação teatral já que se trata de um monólogo que pode ser encenado integralmente em cerca de uma hora. A encenação de Antonio Guedes concentra-se na  atuação de Ana Kfouri sentada numa cadeira, com a sombra de tronco, mãos e cabeça projetados nos vídeos de Helena Trindade, exibidos no chão do espaço cênico.
 
 
     Molloy, publicado em 1951, não deixa de ser um imenso monólogo, mesclado com intervenções de um narrador, que rende 214 páginas da edição que tenho em mãos (contra as 35 de Primeiro Amor), inviabilizando a encenação integral do texto. Isabel Cavalcanti adaptou o romance para uma encenação intitulada Moi Lui (algo como Eu Ele na tradução, mas que só faz sentido em francês para se relacionar com a palavra Molloy) com uma hora de duração. A direção é da adaptadora. Aqui a personagem desloca-se por um cenário árido que envolve as ruas por onde o anti-herói perambula e a casa de sua mãe. A bela iluminação de Tomás Ribas ajuda a criar o clima para as desventuras de Molloy, um maltrapilho perdido em sua solidão e nas tristes lembranças de sua mãe cega e surda.
- Nesta cena de Moi Lui (foto de Lenise Pinheiro), Ana Kfouri até se parece com Beckett -
 
     Duas encenações muito bem realizadas retratando com muita propriedade o universo sombrio, mas com muitos toques de humor de Beckett e que têm em comum a forte presença de Ana Kfouri em duas interpretações antológicas. Tive o privilégio de assistir aos dois espetáculos no mesmo dia e assim poder comparar os dois trabalhos, tão distintos, mas ambos tão profundamente beckettianos: as palavras têm um significado fundamental na obra de Beckett e a perfeita dicção da atriz, aliada à sua presença cênica, revela-se a portadora ideal para a transmissão do universo do autor.
     Primeiro Amor e Moi Lui estão em cartaz no CIT Ecum somente até o próximo domingo, dia 1º de junho. Da minha parte foi uma descoberta tardia já que os espetáculos haviam cumprido temporada no Sesc e estão em cartaz no Ecum desde 26 de abril. Se você fez como eu, corra para assisti-los no próximo fim de semana. Grande oportunidade de ver os excepcionais desempenhos de uma atriz paulista que pouco circula por São Paulo (ela está sediada no Rio de Janeiro) e de desfrutar de duas importantes obras de Samuel Beckett.
     Primeiro Amor – Sábado às 19h e domingo às 18h
     Moi Lui – Sábado às 21h e domingo às 20h

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