Samuel Beckett (1906-1989)
Tenho diante de mim os romances Primeiro Amor e Molloy de
Samuel Beckett e fico pensando como foi imenso o mergulho de fazer as
transposições cênicas dos mesmos, ora apresentadas por Ana Kfouri no CIT Ecum.
Primeiro Amor, de
1945, é um texto escrito na primeira pessoa onde um homem sentado num banco
discorre sobre vida, solidão e morte (temas tão caros a Beckett), envolvendo seu
pai e uma mulher chamada Lulu. O texto não necessita de adaptação teatral já
que se trata de um monólogo que pode ser encenado integralmente em cerca de uma
hora. A encenação de Antonio Guedes concentra-se na atuação de Ana Kfouri sentada numa cadeira,
com a sombra de tronco, mãos e cabeça projetados nos vídeos de Helena Trindade,
exibidos no chão do espaço cênico.
Molloy, publicado
em 1951, não deixa de ser um imenso monólogo, mesclado com intervenções de um
narrador, que rende 214 páginas da edição que tenho em mãos (contra as 35 de
Primeiro Amor), inviabilizando a encenação integral do texto. Isabel Cavalcanti
adaptou o romance para uma encenação intitulada Moi Lui (algo como Eu Ele
na tradução, mas que só faz sentido em francês para se relacionar com a palavra
Molloy) com uma hora de duração. A direção é da adaptadora. Aqui a personagem
desloca-se por um cenário árido que envolve as ruas por onde o anti-herói perambula
e a casa de sua mãe. A bela iluminação de Tomás Ribas ajuda a criar o clima para
as desventuras de Molloy, um maltrapilho perdido em sua solidão e nas tristes
lembranças de sua mãe cega e surda.
- Nesta cena de Moi Lui (foto de Lenise Pinheiro), Ana Kfouri até se parece com Beckett -
Duas encenações muito bem realizadas retratando com muita
propriedade o universo sombrio, mas com muitos toques de humor de Beckett e que
têm em comum a forte presença de Ana Kfouri em duas interpretações antológicas.
Tive o privilégio de assistir aos dois espetáculos no mesmo dia e assim poder
comparar os dois trabalhos, tão distintos, mas ambos tão profundamente beckettianos:
as palavras têm um significado fundamental na obra de Beckett e a perfeita
dicção da atriz, aliada à sua presença cênica, revela-se a portadora ideal para
a transmissão do universo do autor.
Primeiro Amor e Moi Lui estão em cartaz no CIT Ecum
somente até o próximo domingo, dia 1º de junho. Da minha parte foi uma
descoberta tardia já que os espetáculos haviam cumprido temporada no Sesc e
estão em cartaz no Ecum desde 26 de abril. Se você fez como eu, corra para
assisti-los no próximo fim de semana. Grande oportunidade de ver os excepcionais
desempenhos de uma atriz paulista que pouco circula por São Paulo (ela está
sediada no Rio de Janeiro) e de desfrutar de duas importantes obras de Samuel
Beckett.
Primeiro Amor –
Sábado às 19h e domingo às 18h
Moi Lui – Sábado
às 21h e domingo às 20h
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