A
intenção do dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra em Valéria e os Pássaros é política e não uma demonstração de
convicções espíritas; a aparição dos mortos remete ao realismo fantástico que
grassou na literatura latino americana na segunda metade do século XX e, em
especial, ao mexicano Juan Rulfo (1917-1986) e seu Pedro Páramo onde os mortos praticamente conduzem a ação.
Possuidora
de mediunidade, a heroína Valéria invoca e recebe seus mortos, em especial
aqueles que podem lhe dar alguma pista do paradeiro de seu grande amor da
juventude Telmo Castán, preso político que foi assassinado pelas forças da
repressão. Outra leitura poderia creditar essa situação à imaginação de
Valéria.
Originalmente
a peça foi escrita como um monólogo onde Valéria dialoga com as vozes dos
mortos. Sabiamente o encenador Kiko Marques deu corpo a essas vozes numa
poética tradução cênica onde esses mortos aparecem sentados em cadeiras de
rodas com uma luz diáfana sobre suas cabeças. O recurso dinamiza a ação que
seria monótona e verborrágica se apresentada como monólogo.
O
tão esperado encontro com Telmo acontece na última cena quando o mesmo faz um
pungente discurso de como foi torturado, morto e enterrado numa vala comum
(aqui, a lembrança de Pedro Páramo tornou-se inevitável).
O diretor Kiko Marques
Sem
abrir mão da denúncia política das atrocidades das ditaduras, Kiko Marques a
reveste de muita beleza e poesia, principalmente na intervenção dos mortos que
circulam pelo espaço num macabro e belo balé e na visão que Valéria tem dos
pássaros. Muitos efeitos sonoros são utilizados nas intervenções, quase sempre
engraçadas, do espírito de Benito. A cuidada produção tem cenários e figurinos
de Chris Aizner, um suave desenho de luz de Marisa Bentivegna e trilha sonora
original de Carlos Careqa.
O balé dos espíritos
Valéria
é a protagonista e Alejandra Sampaio lhe dá vida com muita garra. Frágil,
insegura, mas persistente e otimista ela lembra Gelsomina e Cabíria,
inesquecíveis figuras fellinianas. Um belíssimo trabalho que se tornaria
perfeito se Valéria na parte final se mostrasse mais madura pelo aprendizado
que teve no decorrer da trama e mais sensual perante a possibilidade do
contato físico com Telmo.
O
elenco de apoio é homogêneo e defende muito bem seus “mortos”, com destaque
para Walter Portella, numa emocionada intervenção como Telmo e Valéria Arbex
que compõe uma delicada e engraçada figura do menino morto que anda de triciclo
e quer evoluir na hierarquia dos espíritos.
O
esperado encontro físico entre Valéria e Telmo com as mãos quase se tocando embalado
pela canção de Carlos Careqa e com um suave apagar das luzes fecharia de forma
emocionante este belo espetáculo da Velha Companhia.
Valéria e os Pássaros está em cartaz na
Oficina Cultural Oswald de Andrade às segundas e terças sempre às 20h até 27 de
julho. Entrada gratuita a ser retirada a partir de uma hora antes da
apresentação.
25/06/2015
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