E quando eu tiver
saído
Para fora do teu
círculo
Não serei nem terás
sido
Tempo, tempo,
tempo, tempo...
Esses
lindos versos de um Caetano Veloso dos bons tempos poderia servir de epígrafe
para o belo espetáculo escrito e dirigido por Otávio Martins em cartaz no
Centro Cultural Banco do Brasil. A relação do tempo e o espaço que a física
elementar define simplesmente como velocidade já foi uma simples fórmula nos
tempos inconsequentes de estudante, mas à medida que a vida avança, os lados
filosófico e existencial de todos nós começam a questionar passado, presente, futuro,
tempo e espaço. E foi nessa aventura que o dramaturgo embarcou para escrever Pergunte ao Tempo por meio da história de um jovem perdido numa véspera de ano
novo que tem ao seu lado uma estranha mulher que parece ter sido sua namorada
em algum lugar (olha o conceito de espaço) de certo ano (olha o conceito de
tempo). Para deixar a situação mais complexa surge um senhor cuja identidade o
espectador vai descobrir com o desenrolar da trama. Tudo é enigmático e aquele
que espera um final concreto para a peça é no mínimo ingênuo.
O
texto tem postura de fantasia e a tradução cênica do próprio autor é fiel a
essa postura. A iluminação de Pedro Garrafa, em certos momentos valendo-se
apenas de lanternas, é minimalista e discreta focando em planos precisos e
decorando o belo cenário de Cássio Brasil que inclui um sugestivo tapete de
água e uma cortina metálica. A música de Ricardo Severo de clara inspiração em Philip Glass é bonita e
emoldura perfeitamente a ação.
Sob
a batuta da direção o elenco atua em perfeita harmonia interpretativa: o jovem
Giovani Tozi desincumbe-se do longo monólogo inicial e mantém a garra e a
indignação (é ele que tem tantas perguntas e tão poucas respostas durante a
ação) até o final; Guta Ruiz tem voz poderosa e forte presença cênica sendo que
em certos momentos impõe-se além da conta sobre as demais personagens; Luiz
Damasceno é talento já conhecido e depois de uma atuação bastante equivocada em
Aula Magna Com Stálin volta a brilhar
como o homem que surge em algum lugar do tempo e do espaço. Há um momento
particularmente belo e poético do espetáculo quando esse homem recorda como seu
pai sofria ao preencher a cada ano uma nova agenda telefônica que tinha cada
vez menos nomes...
Muita
literatura, muito cinema e muito teatro já abordaram a questão do tempo e o
espaço; esta incursão de Otávio Martins é um bom exemplo de que o assunto é inesgotável,
sempre bem vindo e nos conduz a profundas divagações sobre “onqotô”, “qeqosô” e
“prondeuvô”.
O
luxuoso programa da peça contém uma frase do autor com a qual encerro esta
matéria: “Nem toda física, nem toda a
relação de espaço e tempo, nem todas as crenças do mundo, preenchem o coração
de um homem”.
Pergunte ao Tempo está em cartaz no
Centro Cultural Banco do Brasil de 21/10 a 16/12 às segundas e quartas às 20h
(às terças feiras o espaço não abre).
Fotos de Edgard Tadeu Tavares.
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