O teatro é a arte do efêmero e no mês
de outubro o vento levou cinco importantes espetáculos que ficarão apenas na
memória daqueles privilegiados espectadores que tiveram a oportunidade de
vê-los. Dois deles (A Máquina Tchekhov e Do Amor) foram comentados neste
blog, mas o tempo exíguo não permitiu que eu escrevesse uma matéria sobre os
outros três. São eles:
BT TRANS – Corajoso espetáculo do
grupo As Travestidas de Fortaleza,
onde o ator Silvero Pereira se desnuda do suposto charme de Gisele (seu alter
ego) e apresenta sem maquiagem e sem glamour fatos da vida de travestis (a
violência homofóbica, o preconceito, o difícil relacionamento com a família).
Belo trabalho que termina com uma dramática interpretação de Geni e o Zepelin de Chico Buarque.
DESTERRADOS/UR EX DES MACHINE – O
espetáculo da Cia. Antropofágica cumpriu apenas oito
apresentações no Teatro Anchieta integrando a programação paralela da exposição
Máquina Tadeusz Kantor no Sesc Consolação. O encenador Thiago Reis Vasconcelos
fazendo jus ao nome de sua companhia preparou uma salada muito bem temperada de
Bertolt Brecht, Kurt Weill e Tadeusz Kantor, citando de maneira entre outros,
Stanley Kubrick (os macacos de 2001- Uma
Odisseia no Espaço e a personagem Alex de A Laranja Mecânica) e até
a cena da barricada de um musical da Broadway (Les Misérables)!. É claro que, na melhor tradição de Kantor, Thiago
permanece em cena fumando durante toda a apresentação. O espetáculo tem ares de
superprodução graças ao patrocínio do Sesc e ao imenso palco do Teatro
Anchieta. Adequando-se às dimensões da sede da companhia no Espaço Pyndorama a
montagem poderia ali cumprir temporada mais longa, permitindo assim que um
público maior possa desfrutar dessas duas horas de bom e criativo teatro.
MANUELA – O que parecia ser uma
ideia, no mínimo estranha, tornou-se um dos espetáculos mais interessantes do
ano: criar uma peça onde a protagonista é Manuela, a máquina de escrever de
Mário de Andrade, assim chamada por ele em homenagem ao seu amigo Manuel
Bandeira. Vera Lamy tomou para si a tarefa e saiu-se muito bem tanto na
dramaturgia como na atuação. Na dramaturgia ela mescla as falas da máquina com
as do escritor e com trechos de suas obras (Macunaíma,
O Poeta Come Amendoim e outros poemas). Na atuação a atriz não é menos que
virtuosa; interpretando e cantando seu trabalho pode se inserir entre os
melhores do ano, fato atestado pelos calorosos aplausos do público que lotou a
última apresentação do espetáculo no último fim de semana. O pianista e
percursionista (ele faz som até com os tamancos que calça!) Lincoln Antonio é
peça importante da encenação fazendo as vezes da viola, outra companheira
inseparável do escritor e que chega até a provocar os ciúmes da possessiva
Manuela. Após apresentações no Sesc Ipiranga, a peça cumpriu temporada
relâmpago na sede da Cia. do Feijão.
Ainda há tempo de assistir a outros
dois bons espetáculos ainda não comentados:
O BALCÃO – A (boa) adaptação reducionista de
Roberto Alvim eliminou as personagens de Chantal e Roger que fazem parte da
causa revolucionária que acontece fora dos limites do bordel de Madame Irma,
mas a revolução está presente na poderosa trilha sonora de LP Daniel que
ilustra não só nas cenas, mas também os blackouts
entre elas. A encenação de Alvim é visualmente deslumbrante com desenho de luz
realizado pelo próprio encenador e figurinos que levam a assinatura de Juliana
Galdino. Desta vez veem-se as personagens e entende-se o que elas dizem, fatos
quase sempre ausentes nas montagens do Club
Noir. A interpretação de Juliana Galdino utilizando todas as nuances de sua
poderosa voz é marcante. Em cartaz no Club
Noir.
FILOCTETES – O texto verborrágico de Heiner
Müller recebe tradução cênica de Marcio Aurélio que prima por cuidadosa
movimentação dos atores (quase uma dança) e pela sugestiva trilha sonora. Boas
atuações de Paulo Marcello, Washington Luiz e Marcelo Lazzaratto que volta a
atuar no grupo Razões Inversas. Em
cartaz na Funarte.
A crise brasileira está brava, mas o
teatro responde bravamente colocando em cartaz muita coisa de qualidade. Que os
ventos de novembro e dezembro soprem a favor!
06/11/2015
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