Eugene
Ionesco (1909-1994) escreveu O
Rinoceronte no final dos anos 1950 ainda sob o impacto deixado pelo terror
do nazismo, mas a obra transcende esse período negro da humanidade, pois sua
denúncia se estende a qualquer tipo de autoritarismo e à destruição do
pensamento humano imposta pela cultura de massa que aliena o homem eliminando
sua vontade/individualidade transformando-o em mais um, em um rinoceronte.
Conectado
com a realidade do mundo contemporâneo tragado pelo capitalismo, Rogério Tarifa
voltou-se para a obra de Ionesco para criar este urgente Canto Para Rinocerontes e Homens junto com os formandos de 2015 da
Escola de Arte Dramática (EAD) e com Jonathan Silva, seu parceiro de outras
encenações, que compôs sugestivas canções para parte do texto. A trama do
dramaturgo romeno é entremeada com intervenções onde cada ator criou cenas e a
transformação de sua personagem em rinoceronte.
A
montagem tem a marca registrada “Tarifa”: recriação de um clássico para o
momento atual; espaço cênico e cenografia (de sua autoria) compatíveis com a
proposta da encenação; inserção de canções no melhor estilo brechtiano com
direção musical de William Guedes; participação do diretor em algumas cenas,
além de sua presença vigilante como espectador; citações em vídeo de
intelectuais militantes (no caso José Saramago, Pepe Mujica e Eduardo Galeano) e,
porque não dizer, certo barroquismo na concepção do todo que alonga o
espetáculo alem do necessário.
O
mais admirável de Canto Para Rinocerontes
e Homens é o rendimento do elenco. Egressos há menos de um ano da EAD demonstram
muito talento e espírito profissional tanto nas cenas de conjunto como nas
intervenções individuais. As performances de transformação em rinoceronte são
todas bem elaboradas, mas não há como não destacar aquelas de Renan Ferreira e de
Viviane Almeida. Merecem destaque também Rubens Alexandre que interpreta o
protagonista Bérenger e Murilo Basso com um inflamado discurso à moda Bolsonaro
(que horror!).
Pelos
impactos visual e intelectual e também pelo excesso de informações a montagem
exige certa deglutição que se completa apenas tempos depois do término da
mesma.
Crítica
mordaz ao capitalismo feroz que vem nos engolindo e nos transformando em marionetes,
Canto Para Rinocerontes e Homens é espetáculo altamente necessário
para os jovens de hoje. Foi com muita alegria que constatei que na sessão a que
assisti à peça, a maioria do público era formada por jovens que acompanharam
atentos a saga de Bérenger, o último resistente numa sociedade que se
transformou em rinoceronte.
CANTO
PARA RINOCERONTES E HOMENS faz mais duas sessões no Centro Compartilhado de
Criação (sábado às 20h e domingo às 19h) e volta ao cartaz no dia 07/05 no
Galpão do Folias às sextas, sábados e domingos até 29/05. NÃO DEIXE
DE VER.
27/04/2016
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