AVE LOLA NO FESTIVAL DE CURITIBA 2016
Nuon, o espetáculo do grupo curitibano Ave Lola Trupe de Teatro dentro do Festival de Curitiba curiosamente me remeteu ao
filme Apocalypse Now (1979) dirigido
por Francis Ford Coppola. As cenas finais do filme são dantescas e mostram de
maneira violenta a cruel destruição humana causada pela guerra do Vietnã
ouvindo-se em off a voz de Coronel
Kurtz (interpretação de Marlon Brando) exclamando “ O horror! O horror”.
A
dramaturga e diretora Ana Rosa Tezza trilha caminho inverso optando por olhar
poético e de rara beleza para falar desse mesmo horror, neste caso provocado
pelo genocídio causado pelo Khmer Vermelho no Camboja entre os anos 1975 e 1979
quando grande parte da população foi dizimada. O tema é de violência ímpar, mas
o tratamento dramatúrgico/cênico faz a opção pelo belo e o resultado é tão
devastador quanto o do filme.
Sem
acusar nem apontar culpados, mas ressaltando o ambiente que propiciou o acontecimento
dos fatos a peça faz o
espectador refletir sobre o assunto e perceber reflexos na situação atual do
Brasil. A trama é narrada por Nuon, uma sobrevivente do massacre e se passa em
grande parte em uma noite durante um ritual de homenagem aos ancestrais. Um
coro com características do coro grego, mas com máscaras com traços orientais
abre e fecha o espetáculo na melhor tradição das tragédias helênicas.
Tudo
é delicado e funciona na encenação de Ana Rosa: o elenco é homogêneo e atua com
perfeição, com destaque para o trabalho de Regina Bastos como a narradora; os
figurinos criados por Eduardo Giacomini após pesquisas sobre os trajes
cambojanos são de um colorido vivo, magnificamente complementados pela plástica
dos personagens e máscaras de Maria Adélia; a música de Mateus Ferrari é
executada ao vivo por ele e por Breno Monte ilustrando a ação de maneira
harmoniosa e finalmente a iluminação de Beto Bruel e Rodrigo Ziolkowski que
banha suavemente toda essa beleza. Há momentos sublimes como aquele da entrada
dos plantadores de arroz com seus chapéus típicos e também um raro suspense
quando as duas irmãs caminham em um campo minado.
Para
coroar essa alimentação para a alma resta comentar sobre o acolhimento - incomum
na maioria dos nossos teatros - que o grupo oferece ao público. O espaço muito
aconchegante é dotado de um lindo jardim que, infelizmente, não foi possível
usufruir na noite em que lá estive em função da forte chuva. E como não é só a
alma que precisa de alimento disponibiliza-se um cardápio com prato típico do
país tratado na peça em cartaz, no caso, um tradicional peixe cambojano herdado
do Império Khmer que pode ser degustado acompanhado da cerveja artesanal Mekong
criada especialmente para o espetáculo.
Alma
e corpo alimentados. Querer mais é ser guloso? Não! Porque ainda pode-se visitar a exposição Flores do Khmer (Retratos do Camboja) do artista plástico Max Carlesso.
Raro
momento teatral, NUON está em cartaz
no Ave Lola Espaço de Criação em Curitiba, durante o Festival e cumprirá
temporada após o término do evento. Resta torcer para que um dia ele chegue aos
palcos paulistanos.
01/04/2016
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