O
mito de Medeia tem carga dramática muito potente e em razão disso, junto com
aquele de Édipo, é um dos mais visitados pela dramaturgia universal. Além da
tragédia de Eurípedes, só no Brasil Consuelo de Castro, o grupo Ói Nóis Aqui
Traveiz, Chico Buarque e Paulo Pontes já se valeram do mito em suas obras
as quais foram dirigidas, entre outros, por Gianni Ratto, Silnei Siqueira e
Antunes Filho. E o que dizer da força da personagem? Monumentos como Cleyde
Yáconis e Bibi Ferreira, além de grandes atrizes como Tânia Farias, Leona
Cavalli e Juliana Galdino (quando parecia que ela era uma boa atriz) são algumas
das intérpretes de Medeia que os palcos paulistanos já presenciaram. Neste ano
houve uma versão virtual com Bete Coelho a partir da peça de Consuelo de
Castro. E agora chegou a vez de Nicole Cordery na versão da dramaturga sueca
Sara Stridsberg.
De maneira
simplificada se pode dizer que na mitologia Medeia é vista como uma feiticeira
selvagem capaz de assassinar o próprio irmão para salvaguardar seu caso amoroso
com Jasão e extremista ao assassinar Creonte e sua filha, assim como os
próprios filhos, para se vingar de Jasão que a abandonou. O lema da Medeia
mitológica é a vingança por conta da perda de seu amor próprio e é esse o mote
da tragédia de Eurípedes.
A Medeia de Sara
Stridsberg é multifacetada: além de seu desejo de vingança pelo amor perdido,
ela relembra os tempos felizes com Jasão, faz uso de seus dotes sensuais para
chantagear Creonte e em vários momentos mostra insegurança e dúvidas se deve ou
não cometer os assassinatos que está planejando. Como se vê há muitas Medeias
na versão da dramaturga sueca. Stridsberg elimina os personagens de Egeu, de
Glauce e do Mensageiro, mas introduz outros bastante significativos como a Mãe
de Medeia e uma Deusa que estimula o seu ódio para a realização dos planos de
vingança. Também coloca em cena um Médico que dialoga com Medeia e que também
funciona como narrador/corifeu. Ao final da peça a autora detalha várias
maneiras de como Medeia poderia conduzir os seus filhos para uma “inimaginável
escuridão encantadora”. Todos esses detalhes ampliam a abrangência da
tragédia e dão toque originalíssimo e contemporâneo ao espetáculo.
A encenação virtual
de Bim de Verdier é tão complexa quanto o texto: mescla cenas previamente
gravadas com cenas ao vivo, contrapõe colorido com preto e branco, usa
criativamente aquilo que eu chamo de “teatro de janelinha” (intérpretes
interagindo cada um em seu espaço em perfeita sincronia); tudo isso resulta em
um espetáculo coeso, belo e muito digno. Esse resultado deve bastante à direção
de arte e filmagens de João Caldas, à operação de vídeos ao vivo de Marcela
Horta e à contrarregragem de Madu Arakaki.
O elenco é outro
ponto forte da montagem: Renato Caldas interpreta Creonte, Rita Grillo
(diretamente de Paris!) faz a incrédula Ama, Bia de Verdier (diretamente da
Suecia), com delicioso sotaque em seu português perfeito, interpreta a suave
Mãe e a violenta Deusa, Daniel Ortega é o responsável pelos momentos menos
dramáticos dando um ar de distanciamento à trama como o Médico; André Guerreiro
Lopes empresta sua presença e sua voz para a composição de um Jasão
aparentemente bom e compreensivo, mas na verdade egoísta e oportunista.
E mais uma vez Nicole Cordery nos surpreende dando conta de todas as nuances dessa complexa e multifacetada Medeia imaginada por Sara Stridsberg. Grande desafio que Nicole com todo o talento, a garra e a versatilidade que lhe são próprios, encara e vence com muito sucesso.
TERRA MEDEIA:
Estreia
22 de maio, 17h.
Temporada
22 de maio a 13 de junho, sábados e domingos, às 17h.
Retirada de ingressos e transmissão pelo site Plataforma
Teatro www.plataformateatro.com
Ingressos
gratuitos.
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