O cerceamento da liberdade de criação
nas artes é matéria sempre pertinente e urgente a ser tratada pelo teatro. Um
dos exemplos clássicos desse assunto é a maneira como a União Soviética por
conta do realismo socialista manipulou os seus artistas e em especial na música,
os compositores Prokofiev (1891-1953) e Shostakovich (1906-1975). As pressões
sobre a vida e a obra de Shostakovich foram alvo do belíssimo espetáculo Opus nº7 dirigido por Dmitry Krymov,
vindo da Rússia e apresentado no MITsp deste ano, onde a Mãe Russa, representada
por um imenso boneco acalentava e ao mesmo tempo subjugava e humilhava o compositor.
Aula
Magna Com Stálin (1983) do dramaturgo britânico David Pownall trata da
mesma questão ao mostrar uma suposta reunião em 1948 entre os dois compositores
e os representantes do regime Stálin e seu comissário Andrei Jdanov,
responsável pela produção cultural e pela propaganda stalinista. Transitando
entre a comédia (o deboche nas figuras de Stálin e Jdanov) e o drama (a quase
tragédia nas personagens de Prokofiev e Shostakovich) o autor acaba diluindo o
impacto da trama. Há uma longa cena, que se pretende divertida, onde as quatro
personagens tentam compor uma cantata baseada numa fábula russa. Além de nada
acrescentar às motivações da peça ela a alonga e pior, altera quase como por
milagre a maneira como os dois compositores se comportam durante todo o resto
da ação, tornando-se “alegrinhos” e participantes espontâneos da proposta de
Stálin.
William Pereira é encenador que circula
muito à vontade tanto pelo teatro como pela música (haja vista suas diversas
incursões na ópera) e mescla com muita propriedade as duas artes nesta montagem
usando a música quase como uma quinta personagem sempre presente em cena com as
personagens as tocando ao piano para ilustrar momentos importantes da trama.
O diretor carrega nas diferenças entre
a farsa (representantes do regime) e o drama (os compositores) e o excesso de
caricatura, principalmente na figura de Stálin dilui a denúncia que, creio eu,
a peça pretende fazer. Stálin apresenta-se bonachão e suas ações tirânicas
parecem ser justificadas pelo seu estado de embriaguês. Jairo Mattos representa
de forma histriônica enfatizando as características aqui apontadas. Luis
Damasceno (Jdanov) segue na mesma linha, mas consegue melhor equilíbrio para a
personagem (autoritário com os compositores e pateticamente servil com o chefe
Stálin). Os melhores momentos de interpretação ficam por conta de Felipe
Folgosi (um frágil e assustado Shostakovich) e, principalmente, Carlos Palma
numa composição brilhante como o acuado, mas resistente Prokofiev.
A propositalmente pesada cenografia do
espetáculo, assim como, a trilha sonora são assinadas pelo diretor. A dupla
Fabio Namatame e Caetano Vilela que realizou belo trabalho em Dias de
Vinho e Rosas repete aqui o feito nos figurinos e na iluminação,
respectivamente.
Num Brasil sempre à beira da
perplexidade e com a censura (formal e informal) batendo à porta de quem
procura fazer arte, Aula Magna com Stálin
chega num momento propício devendo gerar discussões e reflexões a respeito do
assunto.
Em cartaz no Centro Cultural Banco do
Brasil de quarta a sexta às 20h, até 03 de julho. CONFIRA.
22/05/2015
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