Quem sofreu o peso
das botas de uma ditadura, mesmo que não tenha sido preso ou torturado,
compreenderá o porquê dos traumas e da revolta da personagem Paulina na peça A
Morte e a Donzela.
Escrita em 1991 nos
estertores do terrível governo Pinochet no Chile a peça mostra um casal que
sofreu os desmandos do regime e que é visitado por um senhor que é reconhecido
pela voz como o médico que comandou as torturas impostas à mulher Paulina. O
marido Gerardo faz parte de um Comissão da Verdade que irá investigar os envolvidos
com os crimes do antigo regime e procura ter uma atitude mais ponderada
comparada à violenta reação da esposa.
O autor Ariel Dorfman
nasceu em 1942 na Argentina, passou a infância nos Estados Unidos e depois
viveu no Chile até a derrubada do governo Allende; como exilado passou algum
tempo fora do Chile até o retorno em 1991 quando escreve de forma contundente e
direta sobre as consequências dos horrores da ditadura chilena na peça A
Morte e a Donzela.
Há exatos 30 anos a
peça foi montada no Brasil por José Wilker, tendo Xuxa Lopes no papel de
Paulina, Tony Ramos como o marido Gerardo e Otávio Augusto como o médico
Roberto Miranda e não havia ocasião mais propícia para que ela voltasse à cena,
haja vista o momento delicado e perigoso pelo qual passamos com o atual presidente
muito propenso a reviver os tempos ditatoriais no país.
A iniciativa partiu
dos jovens integrantes da Laia do Teatro, egressos do Teatro Escola
Célia Helena e a direção coube a Laerte Mello.
A produção modesta,
mas muito bem realizada, conta com cenários e figurinos do diretor e tem como
principal trunfo a contundência do texto, defendida bravamente pelos três
jovens atores.
André Barreiros
interpreta Roberto Miranda, o suposto torturador de Paulina, inicialmente
jovial e simpático nas conversas com Gerardo e tenso e defensivo quando
confrontado com as reações da mulher. O inicialmente conciliador Gerardo é
representado com dignidade por Victor Barreto. Toda a tensão da trama é
conduzida pela personagem Paulina. Ao ver em cena, aquela atriz, tipo mignon,
com voz delicada achei que ela não iria dar conta do recado. Ledo engano! Aline
Pimentel domina a cena com muita energia e talento dando total verossimilhança
às reações violentas de uma mulher que foi ultrajada por um regime odioso e
repressor, representado ali por Roberto Miranda.
O final aberto
proposto pelo diretor Laerte Mello é um grande achado da montagem.
Todos, principalmente os jovens, deveriam assistir a este importante espetáculo, uma verdadeira lição sobre os perigos de uma ditadura e suas terríveis consequências.
Em cartaz no Espaço Parlapatões até 26 de junho aos sábados às 16h e aos domingos às 19h.
30/05/2022
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